Já tirei a carta há uns tempos e ainda não contei nenhuma história de encartado desde então.
Assim alembrei-me de contar histórias de Renualts na minha vida.
Não querendo magoar a sensibilidade de ninguém, nunca fui fã de Renaults, mas os Renaults têm persistido em me conduzirem em muitos e bons quilómetros.
Assim de repente creio que o primeiro Renault que conduzi foi mesmo na terá deles, em França, e não era um Renault, mas sim uma Renault, uma Estafete.
Pouco meses depois de tirar a carta de condução emigrei para França, fui trabalhar na ingrícola, nas vindimas em Cessenon, perto de Bezier, no Sul de França.
Fui com vários tugas integrado num grupo de emigras clandestinos que a partir da Faculdade de Engenharia do Porto começaram a rumar a França para trabalhar nas vindimas no final do Verão.
Todos eramos ilegais.
As vindimas, nesta região de França, eram feitas por emigrantes espanhóis que iam trabalhar legalmente para França.
Os tugas da Faculdade de Engenharia do Porto descobriram que podiam ganhar um bom dinheiro a apanhar uvas em França e começaram a esgueirar-se para lá e com o tempo uns chamam outros e quando fui em Cessenon, uma pequena Vila, já por lá andavam umas dezenas tugas a trabalhar todos os anos nas vindimas.
Os “
patrons” gostavam de nós, porque trabalhávamos tão bem como os espanhóis, não tinham que fazer descontos para a Segurança Social, falávamos francês, ou françoguês que é quase a mesma coisa, eramos todos malta nova, bem disposta e bue de culta quando comparados com os indígenas lá da aldeia e com os espanhóis que tradicionalmente lá trabalhavam.
Na realidade eramos todos estudantes universitários e os indígenas achavam que Portugal era uma terra de crânios, intelectuais e tesos, pois só isso explicava que gente tão, supostamente, qualificada se dispunha a fazer um trabalho que nenhum indígena fazia.
Mas eramos muito bem conceituadas incluindo junto das “
françonetes” que aproveitavam aqueles finais de verão para experimentar, por vezes literalmente, o doce sabor dos jovens, machos, latinos.
Como os
patrons gostavam de nós e tinham-nos em boa conta confiavam-nos as carrinhas para levarmos o pessoal para as vinhas e ao final do dia e no fim-de-semana tínhamos também o direito a ficar com a carrinha.
É assim que me estreio em terras gaulesas a conduzir uma estafete a gasolina e em que a caixa de velocidades era ao contrário, isto é, primeira para trás, segunda para a frente e assim sucessivamente.
Pelo menos em duas ocasiões a minha inexperiência quase deitava tudo a perder, uma vez quando numa descida seguia atrás de dois ou três ciclistas e entrei numa curva fechada tranquilamente atrás dos ciclistas, só que a estafete começou a chiar e mais uns centímetros bem que tinha saído pela valeta do outro lado da estrada.
Noutra ocasião quase enfiei a estafete numa horta. Fomos a uma horta que existia próximo do local onde estávamos alojados gamar, literalmente, umas alfaces e uns tomates. O acesso fazia-se por um caminho estreito de terra. Quando foi preciso voltar para trás a solução foi preciso manobrar a estafete no estreito caminho para trás e para a frente aproveitando até ao limite o espaço existente, sendo que de um lado era o talude e do outro a horta que ficava cerca de dois metros abaixo do nível do caminho. Assim quando estava já com o focinho a espreitar para horta meto marcha atrás mas afinal não estava bem engrenada e a bicha andou para a frente. Ups, foi por pouco que não descemos com a estafete até à horta e depois ia ser uma dificuldade explicar por alminha de quem é que ali andávamos e como ali tínhamos ido parar. Mas enfim foi só um susto.
Curiosamente, julgo, o segundo Renault que conduzi foi também por razões profissionais. Logo depois de tirar o curso fui estagiar para Santa Maria da Feira, na época ainda Vila da Feira, e como era um gaijo porreiro, trabalhador e confiável
[1] comecei a usar mais um Renault, um Super 5, nas deslocações em trabalho e não raramente ficava com a Renault no fim do dia e mesmo ao fim-de-semana.
Aliás esta Super 5, nova, foi na época o carro mais veloz que até então conduzi. Tinha 5 velocidades e nas deslocações Feira-Porto-Feira chegava à autoestrada engrenava a 5ª, afundava o acelerador até à chapa e depois aliviava um pouco para ficar com um bocadinho de reserva para usar quando ultrapassasse aproveitando o efeito de túnel de ar, usado nos troféus de velocidade.
A técnica era aproximar-me do carro da frente, aproveitar o cone de aspiração e quando estava a ficar bem próximo afundar ao máximo o acelerador, sair do cone de aspiração e ultrapassar (isto é história, ficção, não é para fazer em casa).
Foi também com esta Renault que me estriei em grandes, à nossa medida, viagens. Fui, talvez, dezenas de vezes ao Algarve no tempo em que a autoestrada acabava algures a Sul de Coimbra (Anadia?) onde está o símbolo fálico mandado fazer pelo Cavaco e depois só voltava a aparecer já perto de Santarém. No entretanto subia-se e descia-se a serra dos candeeiros (é mesmo assim que se chama?) numa estradita que a cada passo era um morticínio, bastava apanhar uns camiõezitos e era uma desgraça.
Em Santarém atravessava a velha ponte e seguia até Pegões onde então apanhava o IP1 (?).
Daí para diante, fora da época de férias, era novamente de prego a fundo e a Super 5 lambia os 160 a descer e com o vento a favor.
Já não me lembro bem, mas do Porto a Faro julgo que, na melhor das hipóteses demorava cinco horas e meia, isto é saia as 10.00 da noite de Domingo, seguia sempre a dar-lhe e sem paragens e chegava 02.30 a Faro.
Mas mesmo a andar na passa a viagem por vezes era uma seca e um dia já perto de Pegões, numa recta rodeada de pinheiros, resolvi testar os travões da Renault e travar a fundo quando seguia para aí a 120.
Correu tudo bem, salvo a circunstância de ter ficado com os dois pneus da frente quadrados, na zona de travagem o rasto do pneu ficou quase liso e daí para diante quase que dava para contar as voltas da roda pois a cada salto correspondia um sobressalto e mesmo uma pequena batida.
Acabei por convencer o Boss que tinha tido feito uma travagem de emergência para evitar atropelar um cão e ele lá condescendeu em mandar meter dois pneus novos.
Enfim, não se pode dizer que tenha sido grave que um jovem de vinte e poucos anos em 20.000 ou 30.000 quilómetros apenas tenha dado cabo de uns pneus.
A viagem ficava verdadeiramente brava era quando chovia e por mais de uma vez apanhei chuva toda a viagem.
Principalmente na EN1 era uma aventura circular à chuva com tráfego intenso entre os 80 e os 120 com toda aquela confusão de carros e camiões a projetar água.
A cada passo jogava-se dominó e lá batiam quatro ou cinco carros. Por vezes era mesmo mau.
Tirado a história da travagem a fundo e a velocidade nuca fiz grandes avarias com a Super 5.
Por mais que uma vez que empenei as jantes da frente porque se batesse num buraco um pouco mais fundo a jante empenava de imediato e o pneu, tubless, esvaziava de uma vez.
Depois era preciso substituir a roda, arranjar um local onde enfiassem umas marretadas na jante para esta voltar ao sítio, encher o pneu e esperar pela próxima.
Outras vezes conseguia-se passar o buraco sem empenar a jante, mas então era a vez do autorrádio saltar da consola.
Nada de grave, com umas sapatadas lá se conseguia meter o rádio no sítio.
Por esta altura ainda tive oportunidade de conduzir um estafado Renault 5 que se arrastava lá pelo escritório.
O Renault nem era muito antigo mas entre outras coisas já tinha capotado e todo ele estava a cair aos poucos.
Uma simples deslocação da Feira a S. João da Madeira podia ser um problema pois se estivesse calor havia o risco de numa das subidas deitar os bofes fora e começar a ferver. Mas enfim, apesar de mal tratado lá se ia arrastando e ainda por lá ficou a rolar quando ao fim de cerca de quase dois anos acabei o meu tirocínio por Terras da Feira.
Para já ainda só falei nos três primeiros Renaults.
Os dedos de duas mãos não devem chegar para contar as histórias de todos os Renaults que me passaram pelas ditas, as mãos.
Haverá paciência para num dia longínquo chegarmos ao diário de bordo do meu Sunbeam?
JP
[1] Mais uma vez a modéstia