AUTOMOBILISMO 3 HORAS DE LOURENÇO MARQUES, NOVEMBRO DE 1972:
Springbok Series
Esta série de endurance disputava-se durante o Inverno africano e tinha início após as 9 Horas de Kylami . Desse modo, nos dois últimos meses de cada ano, algumas pistas da África do Sul, da Rodésia e mesmo o Circuito da Costa do Sol, em Lourenço Marques recebiam os melhores pilotos do sul do continente africano juntamente com alguns especialistas europeus que eram pagos para correr neste campeonato. Deixou de se disputar em 1973, devido à crise do petróleo gerada pela Guerra do Yom Kippur.
Na corrida disputada em Moçambique no ano de 1972 compareceram dois concorrentes claramente favoritos entre os 30 que alinharam à partida : o March 73S BMW de Jody Scheckter, equipado com um motor BMW de 2 litros, 4 cilindros e 16 válvulas, capaz de debitar cerca de 280 CV e um dos novos Chevron B-23 (para Jochen Mass e Gerry Birrell) com motor BDA de 1990 cc e mais de 250 cv de potência (curiosamente, com o capot de motor "lightweight" - cortado na traseira - que fora banido das corridas da FIA mas que aqui ainda era regulamentar). Correram também mais alguns Chevron B21 e B19, equipados com motores FVC de 1990cc (240/245 cv) e ainda alguns B8 também com motores de 2 litros. Paddy Driver compareceu com um Lola T290 com motor Chevy Vega, alegadamente a debitar uma potência que rondaria os 270 cv. Impressionante era o Chevrolet Firenza sul africano de Basil Van Rooyen e Geoff Mortimer, cujo motor V8 de 5 litros desenvolvia cerca de 480 cv e permitia acompanhar as acelerações dos protótipos de 2 litros. Robert Grant que tinha corrido poucos dias antes na corrida do Europeu de GT disputada no Autódromo do Estoril, alinhou com um Datsun 240Z (220 cv) que impressionou pela falta de andamento, tal como já sucedera na prova portuguesa. Entre os pilotos locais, o melhor equipado era Jorge Leite com um novo BMW 2002 "full Grupo 2". Prata Antunes com o 1275 GT era o piloto mais aguerrido e um dos mais rápidos valores moçambicanos. Aliás, os dois em conjunto eram os melhores valores do automobilismo moçambicano e, curiosamente, trinta e cinco anos depois da corrida que aqui relatamos o primeiro ainda continua a sua carreira desportiva, agora no Campeonato Nacional de Clássicos em Portugal! Para terminar a apresentação das principais equipas e pilotos falta referir o representante de Angola, António Peixinho que além da participação nas 3 Horas, queria também negociar a disputa de uma manga da Springbok Series em Luanda, no ano seguinte. Na prova partilhou a condução de um Alfa Romeo 2000 Berlina com o Sul-africano Arnold Chatz.
A corrida
"Será preciso dizer que as 3 Horas de Lourenço Marques é a melhor corrida de todo o espaço português" Começa assim a reportagem sobre esta prova que Oliveira Pais fez para a revista Equipa. Independentemente de ser ou não a melhor corrida, de facto era muito interessante sob qualquer prisma que queiramos analisar. As 3 Horas de 1972 tiveram início pelas 15 Horas quando 29 dos 30 carros que tinham alinhado na grelha arrancaram para a prova. O Mazda S102 A de Collin Burford não conseguiu arrancar e saiu com um grande atraso em relação ao pelotão. O jovem Jody Scheckter, ainda longe de imaginar que alguns anos mais tarde viria a ser Campeão do Mundo de Fórmula 1, tomou o comando com o March 73S, seguido a alguma distância pelos Chevron de Birrrell e Charlton. Este último viria a ter problemas e perdeu algum tempo na box, caindo para as profundezas da classificação. Ao fim da primeira hora, Jorge Leite entrou na box com dois pneus furados, comprometendo a boa prova que estava a fazer e perdendo assim o comando entre os pilotos portugueses. Depois do primeiro abastecimento do Alfa Romeo , António Peixinho tomou o lugar de Chatz e pouco depois regressou à box com problemas de travões. Entretanto Schekter entra na box para mudar pneus e perdeu dois minutos a tentar resolver um alegado problemas de embraiagem, cedendo então o comando ao Chevron de Birrel e Mass. Mas estes viriam a ter alguns problemas e deixaram o March vermelho e branco aproximar-se novamente do comando.
Já perto do final, o Chevron de Peter Gethin e o BMW de Jorge Leite colidiram e o piloto português saiu da estrada. Pouco depois Charlton passou para o comando com o March e manteve a posição até 15 minutos do final quando se viu obrigado a entrar nas boxes para trocar os pneus da frente. Foi assim que a equipa do March ofereceu o triunfo ao Chevron B23 de Mass e Birrell que tinha sido relegado para a segunda posição. Ainda antes do fim , o rebentamento de um pneu do Alfa Romeu provocou um despiste e a desistência de Peixinho e Chatz.
Esta prova tinha também uma classificação por rendimento na qual o mais eficaz foi o Toyota Celica de Koos Swanepoel.
Jochen Mass com o Chevron B21 vencedor, na frente do Chevron B8 de Billy Scheepers, de um dos Mazda S102A da equipa Datona Race e do Austin 1275 GT de Carlos Antunes
Dave Charlton tapa o sol poente com a mão, enquanto curva com o March 73S BMW que partilhou com Jody Scheckter, futuro Campeão do Mundo de F1. O Austin 1275GT de Carlos Prata Antunes, o melhor concorrente Moçambicano. Como se corria com um sistema de "handicaps" não era de todo descabido alinhar com um carro como este Mini de Grupo 2. No final foi 11º da geral e 4º no índice de rendimento: 1º J.Mass-G.Birrell Chevron B21/23 Hart ,2º Scheckter-Charlton March 73S BMW,3º Peter Gethin Chevron B23,4º P.Driver-Guy Edwards Lola T290 Chevrolet Vega,5º Robinson-Claessens Chevron B21 Hart,6º Scheepeers-Wicks Chevron B8 BMW,7º Basil Van Rooyen Chevrolet Firenza CA 302,8º Angelo Giovannoni Mazda S102A,9º Koos Swanepoel Toyota Celica,10º Spaemer-Peter BMW 2002 tii,11º Carlos Prata Antunes Austin 1275GT,12º F.Capela-J.Paixão Morris Cooper S,13º B.de Groot - T.Martin Lotus 23B,14º Ian Smith- R.Young Morris Cooper S,15º Robert Grant Datsun 240Z,16º A.Chatz- A.Peixinho Alfa Romeo 2000 Berlina,Pole Position: Jody Scheckter, March 73S BMW, 1'21"6
O testemunho de Manuel Portela
Estive presente nesta corrida e o que mais me impressionou foi o barulho do Mazda do Ian Schekter , fabuloso , o Mini do Prata Antunes (fazia parte da equipa Ronil do Otto Barbosa da Silva , avô de um dos meus primos) .
Se o minha memoria não me falha, o Chevron do Niki Lauda pegou fogo mesmo à nossa frente , na curva antes da recta da meta.
O Alfa Romeo do Chatz e do Peixinho era uma bomba. O piloto sul-africano chegou a Lourenço Marques ao volante do seu belo Ferrari verde e o Peixinho ao volante parecia meio maluco. Nessa altura a rivalidade entre os moçambicanos e angolanos era muito forte , tendo os segundos maior poder financeiro e melhores carros . Entre os estrangeiros presentes, recordo-me particularmente do Firenza do Van Rooyen, equipado com um motor Chevy V8 e que andava muito depressa. Por seu lado, limitado pelo carro que possuía, o Angelo Giovannoni era piloto muitíssimo rápido ao volante do Mazda S102 .
Entre os pilotos locais, a rivalidade entre o Prata Antunes , o Kikas Paixão e o Fernando Capela enorme e o melhor talvez fosse o Paixão que chegou a correr no Reino Unido.
Nessa prova faltou aquele que talvez fosse um dos melhores pilotos de Lourenço Marques, o Manuel Antunes Guimarães (que há anos que tento descobrir o seu endereço). Nesse mesmo fim de semana fui com ele dar uma volta no Izuzu Bellet de rallyes , o que para um miúdo de nove anos , são coisas que marcam...