Retirei isto do Facebook. Uma vez mais, parece-me claro e lógico, mas (como já tinha dito num
post anterior), não me parece que racionalidade tenha algo a ver com esta (e muitas outras) medida. Em todo o caso, aqui fica mais uma achega, para quem pense que é possível o diálogo com o (este) governo.
1 d ·
Considerações sobre a proposta de aumento do IUC em 2024.
Na data de escrita deste artigo há já 65 mil assinaturas contra a aplicação desta medida, como existem 3 milhões de veículos abrangidos acredito que serão ainda muito mais as manifestações contra esta medida.
Na verdade, tenho um conflito interno sobre esta medida, se por um lado acredito que vivemos num processo sem paralelo de alterações climáticas e é necessário atuar já, por outro lado é preciso pesar a eficácia da medida em obter os objetivos. Para isso vou tentar ser o mais factual possível.
Sobre a fiscalidade
O IUC foi aumentado nos veículos a partir de 7/2007, porque se reduziu o valor do ISV, o objetivo era diluir o ISV ao longo do tempo. Como o ISV foi pago na totalidade nos veículos anteriores a 7/2007, estamos perante um caso de dupla tributação. Nesse aspeto a medida é até imoral uma vez que altera condições previamente adquiridas.
Sobre as emissões de CO2
Os veículos mais recentes emitem menos Co2, e reduzem também a emissão outros poluentes. Em muitos casos a redução é pouco expressiva. Em todo o caso, as emissões estão intimamente ligadas com o número de km percorridos, pelo que emite menos poluentes um veículo muito poluente mas que faça poucos quilómetros do que um pouco poluente que faça milhares de quilómetros por mês. Assim o problema não me parece estar no tipo de veículo, mas sim no estilo de vida dos seus condutores e das suas opções pessoais. A taxa de carbono que já é aplicada a cada litro de combustível penaliza de forma mais direta quem tem veículos mais gastadores (mais poluentes) ou quem faz muitos km por mês. Parece-me que neste aspeto a medida não faz sentido uma vez que penaliza de forma desigual os proprietários de veículos, já que quem faz mais km tem opção de trocar para um veículo mais económico de uma forma racional, assim como alguém que tem o carro para sair ao fim de semana, não precisa de estar a investir num veículo novo.
Sobre os veículos elétricos
A substituição de um veículo de combustão por um veículo elétrico, não é uma opção inteligente para todos. Proprietários que façam poucos km por ano, não tem vantagem económica em ter um veículo elétrico. Muito menos sob o ponto de vista ambiental, uma vez que a energia incorporada na construção de um veículo novo (elétrico ou térmico) é imensa. Assim um veículo antigo em bom estado é para muita gente uma opção muito mais ecológica do que um veículo novo cujas baterias se vão degradar por pouco uso, tendo de vir a ser substituídas sem terem completado o ciclo de vida previsto, aumentando a pressão sobre minerais raros e enormes logísticas de mineração, transformação e transporte. Já noutros casos de pessoas que utilizam intensivamente os veículos, como os taxistas e Ubers, esses deveriam ter condições especiais para fazerem a troca pois completam milhares de km por mês e circulam muitas vezes em circuitos urbanos, pelo que faz todo o sentido utilizarem veículos elétricos que não poluem o interior das cidades, não consomem quando parados, e os benefícios são efetivamente aproveitados até ao limite.
Sobre a racionalidade económica
Os portugueses são muitas vezes acusados de serem irracionais quanto aos carros adquirindo veículos grandes e potentes por uma questão de ostentação. No entanto esta medida intensifica isso mesmo, obriga ao consumo, à troca de veículos mesmo que estejam em bom estado, uma vez que penaliza os proprietários de forma generalizada. Sabemos que os veículos é um dos itens que mais desvaloriza, será racional estar a incentivar o abate de veículos perfeitamente funcionais para comprar outros que vão desvalorizar brutalmente? Não seria melhor esse dinheiro ser empregue no investimento em educação pessoal, dos filhos ou noutra forma de investimento que não se “evapore” em pouco tempo?
Sobre a economia nacional
Portugal não é um país produtor de veículos elétricos, pelo que todo o dinheiro investido neles é dinheiro passado para outros países como a Alemanha ou a Franca, ou mesmo a china. Fará sentido estar a estimular a economia de outros países ricos com a pobreza dos portugueses? Com que objetivo? Certo que os combustíveis também são importados, mas num momento em que ainda se importa energia elétrica, e gás para fazer eletricidade, será esta a prioridade?
Sobre o estado do parque automóvel
Se os veículos forem inspecionados e mantidos em bom funcionamento (como é obrigatório, e bem) prestam um bom serviço aos seus proprietários, e ao país. Sob o ponto de vista ecológico, já abateram o seu impacto ambiental da sua construção (energia incorporada), embora ainda consumam energia fóssil (dependendo da intensidade do uso). Sob o ponto de vista económico, já estão pagos, mas ainda consomem combustível importado, embora só consumam o combustível que lhe colocam o que pode ser limitado ou gerido. Aqui também se podem inserir questões sentimentais, uma vez que os veículos fazem parte da nossa vida e muitas pessoas mantem-nos apenas porque tem algo mais que os liga a essas maquinas.
Sobre os combustíveis fosseis
São algo que deve deixar de ser usado, ponto. Por razões ambientais, de saúde, questões geopolíticas, etc. No entanto exigem-se políticas de adaptação gradual, e não penalizadoras das camadas mais frágeis da sociedade. Deve ser feita a transição, sem dúvida, subsidiem-se veículos elétricos a quem os usa intensivamente, taxistas, vendedores, empresas, autarquias. Instalem-se painéis solares, eólicas, ou outras renováveis para que não se esteja a queimar gás para produzir eletricidade para alimentar carros elétricos. É também possível transformar veículos antigos a GPL ou gás natural cujas emissões são também reduzidas utilizando um combustível que é um resíduo das refinarias. Nesse aspeto deveria também ser corrigido o IUC aos veículos transformados a GPL que continuam a pagar como sendo veículos a gasolina, por uma razão infantil e puramente burocrática.
Sobre a pobreza
As pessoas não trocam de carro não porque não queiram, mas porque não podem. Grande parte dos portugueses estão asfixiados com rendas, créditos habitação, etc. A melhor ideia que o governo tem é incentivá-los a pagar aos Alemães para terem um carro novo? Qual é o racional por detrás desta medida? Não será mais importante que esse dinheiro seja aplicado em Portugal na criação de empresas ou na compra de habitação própria ou outra coisa que beneficie a economia nacional?
Baixar portagens
Sempre que surge uma nova taxa, cria-se a desculpa do abaixamento de outra. Ou seja, as más políticas anteriores e os ruinosos negócios SCUT, vão agora ser pagas por pessoas que se calhar nunca vão usar essas estradas. As portagens sendo iguais para todos não permitem diferenciar de forma positiva os mais pobres pelo que essa opção é mais uma vez a diminuição do Estado e do seu papel de redistribuição de riqueza.
Em resumo
Esqueçam lá essa ideia, foi uma má ideia. Vamos, mas é fazer uma coisa com lógica, subsidiem-se veículos elétricos aos taxistas, e utilizadores intensivos. Reduzam-se os custos de abastecimento elétrico a essas situações, aumente-se a disponibilidade de postos. Promova-se a instalação de energia renovável nos edifícios da função publica e empresas que consomem energia durante o dia quando há sol. Promova-se subsídios ao abate de veículos para substituição por elétricos, com preferência a pessoas que obrigatoriamente tem de fazer muitos kms. Promova-se a conversão de veículos a outras energias, como o GPL GNC, crie-se a infraestrutura de hidrogénio, taxem-se as petrolíferas por volume de co2 potencial produzido, fugas e ineficiências nos sistemas de refinação.
Há tanto para fazer, não façam o mais fácil que é bater nos mais fracos."