O Bruno qualquer dia dá-me guia de marcha do seu canto que já usei e volto a usar para os meus dislates. A verdade é que escolhi este canto com um propósito, que desmerece a espuma dos nossos dias tanto quanto valoriza o significado dos dias que foram.
Nos momentos mortos fora de casa numa espera de qualquer compromisso de natureza profissional os aparelhos e a tecnologia são socorro de ocasião, e lá vamos com eles acompanhando as notícias, O Covid, o Centeno, e demais maleitas da nossa vida...
Eis se não quando, e no meio do caos aleatório de informação, aparece uma grelha descomunal com um carro atrás.
(sim, desculpa ter posto isto aqui no mesmo espaço onde habita o teu E21... justifico-me já)
Ora... isto foi das coisas mais horrendas sobre as quais pousaram os meus olhos ultimamente. Sou sensível a essas coisas. Nem sequer me interesso muito pelo automóvel à luz dos cânones dos dias de hoje, mas quanto mais não seja, por mero exercício de comparação com os anos dourados, acabo sempre por olhar para objectos desenhados com apreciação crítica.
O Hoffmeister Kink foi-se, a linha de cintura também, a frente não é alta, mas parece (normalmente é o contrário que se pretende) e esta tentativa de "gritar" bmw pelo excesso de escala da grelha não faz mais do que exagerar um elemento perdendo para o conjunto. Para mim, como sabem, o 156 é o paradigma do desenho industrial de massas do século XX/XXI. Não tem nenhum elemento fora de escala, não precisa de exagerar um sobre os outros e tem até um conjunto de "easter eggs" que ficam só para os conhecedores da marca. Não se impõe uma imagem pelo excesso de um símbolo. Conquista-se uma pela conjugação harmónica dos vários elementos. Este carro perdeu todos os elementos de carácter fazendo de um só elemento de força. Nunca tive a BMW como paradigma do espectro criativo, mas sempre lhe reconheci dentro do padrão de austeridade de um carro alemão, um mínimo de fantasia dentro de um alinhamento críptico, uma elegância apurada e um equilíbrio dinâmico de formas agradável.
Ninguém consegue reinventar a forma sem perder a identidade e o traço como os italianos. Conseguem sucessivamente criar (e a Alfa Romeo nisto é o vértice da espada) rupturas em algo completamente novo, mas sem perder os elementos e a conjugação dos mesmos, num equilíbrio dinâmico da forma sem perder a proporção. Pelo contrário os alemães esgotam a forma 911 desde o início até hoje. Pior, usam-na em tudo que é carro, desde aqueles mastodônticas criaturas de jogador de futebol , passando por spiders e acabando em berlinas executivas. Um desastre. Quando o fazem mais parcimoniosamente fazem o mesmo carro em escalas diferentes. A BMW fê-lo durante anos, mas não é que o fizesse mal.
Neste caso conseguiu-se o impensável. Como tudo que era registo característico da marca desapareceu, e a falta de identidade é de tal forma gritante que isto poderia ser de facto qualquer outra marca oriental (normalmente as mais anónimas em referências), usa-se da hipérbole da escala do elemento mais característico.
E é aqui que chego ao E21 (vale para o E30 e por aí fora até há 20 anos atrás). Não tem a fantasia de um Alfa Romeo da mesma época. Não tem sequer o argumento conceptual cujo portentado do grupo hoje pretende exibir. Mas tem uma harmonia de formas, e um conjunto de diálogos sóbrios de identidade na forma como comunicam os elementos que foram o móbil do crescimento de simpatias da marca durante os 30 anos seguintes.
Trabalho preguiçoso este, mau e pouco edificante de uma equipa de desenho. Pena. Uma marca pela qual nutro a simpatia que me permite o pouco que sobra na minha praia, que se vem arrastando na vulgaridade ao longo dos últimos 15/20 anos. Dito isto, vai vender. E isso diz tudo sobre os nossos dias...