Sim, sou eu novamente… o que anda a pregar contra as rainhas de garagem, que se insurge contra os restauros excessivos, e tudo o mais… e venho provocar mais um bocadinho a nossa comunidade. Percam um bocadinho a ler (eu sei, não é só um bocadinho, entusiasmei-me… ), vão ver que talvez ganhem alguma coisa com isso.
Estamos a matar o nosso hobby?
A semana passada li a coluna do Jay Leno na Octane, em que ele reclamava que a falta de uso dos carros estava a torná-los inúteis e a arruinar o apoio que poderiam ter. E não deixa de fazer todo o sentido, seja um Duesenberg ou um 2CV. A falta de uso está a matar os nossos carros, e ao mesmo tempo, o nosso hobby.
Como já disse aqui várias vezes, os carros são máquinas, e o propósito único deles é trabalhar e circular. Muitas vezes vemos restauros meramente estéticos, com o intuito de preservar algo que serve de pano de amostra e pouco mais. Quantos casos não conhecemos nós de carros que fazem menos de 50 km ao ano?
A questão desta falta de uso é que acaba por se tornar num duplo homicídio… estamos a fomentar a degradação dos componentes mecânicos, gerando oxidação, sedimentação, e tudo o mais. Mas mais grave, estamos a deixar sem clientela toda uma indústria que não vê em nós uma necessidade de serviço. Um carro que não anda, gasta menos peças. Não justifica que alguém perca tempo a estudá-lo, a aprender a lidar com ele. Quando esse carro precisar de ser visto por alguém que saiba o que está a fazer, pode ser tarde demais. E isso volta a atacar o carro. Morto por não ser possível ressuscitá-lo como deve ser.
É um facto, e é preciso dizê-lo. O hobby do entusiasta dos clássicos está frequentemente ameaçado, e pela mão dos próprios entusiastas. Tirando casos notáveis como o dos ingleses e, de certa forma, os americanos, não há uma cultura de uso dos clássicos. O típico coleccionador português tem a velha e idiota tradição de esconder os carros na garagem e puxar-lhes o lustro de vez em quando, e só de lá os tira para pano de amostra num ou noutro evento.
Quantos de nós não conhecem mecânicos, electricistas, estofadores, e outros artesãos indispensáveis à preservação dos nossos objectos de adoração, que estão a chegar ao fim dos seus dias úteis? Há alguém a tomar o seu lugar? O conhecimento que eles acumularam ao longo da vida de trabalho, está a ser transmitido? Não.
Muitos de nós têm um espírito de iniciativa, e por vezes até mesmo a audácia de fazer as coisas por nós próprios. Mas será que estamos devidamente informados para o fazer? É aqui que, desculpem-me mas, apesar das boas intenções, vemos a Internet falhar com frequência. É que se efectivamente existe bom conhecimento a ser transmitido por aqui, ele dilui-se num oceano de más dicas dadas por amadores que de fundamentos técnicos adequados têm muito pouco ou nada. E caímos num perpetuar de “diz-que-diz”, “comigo resultou assim” e “acho que deves fazer assado”. Isso não pode, nem vai, levar a um futuro assegurado para os nossos clássicos.
Não digo que seja com má intenção, longe de mim, mas a informação mal fundamentada é muito perigosa. E nos dias de hoje, quantos de nós estão dispostos a investigar com calma e chegar ao fundo da questão? Não temos tempo, ou não o queremos arranjar. E muitas vezes acabamos nos fóruns, à beira do desespero, sem saber em quem confiar, irritados, frustrados, com o “calhambeque”. A culpa não é dele… nunca foi.
Usar o carro no dia-a-dia… estão a falar a sério?
Porque não? Certo, se o nosso ganha-pão implica quilometragens colossais, talvez seja má ideia. Mas também depende de muita coisa, incluindo a escolha do carro. Na Alemanha, começou a surgir um movimento de rotura com os carros modernos, e obteve uma expressão tão grande que a própria Mercedes viu nisso uma oportunidade e lançou o programa Youngtimer, em que eles próprios adquirem, revêem, e vendem com as mesmas garantias de novo, carros dos anos 60 a 90. Viram que as pessoas se estavam progressivamente a revoltar contra os carros cheios de indomável electrónica, de componentes com vidas a prazo, e queriam de volta os carros bem concebidos e com reputação de indestrutíveis. E agarraram nisso, e estão a dar nova vida aos carros que antes eram peças de museu ou forro de armazém. E os clientes estão mais satisfeitos.
E faz sentido, sob as mais variadas vertentes, senão vejamos:
- Um carro utilizado com regularidade mantém-se na sua eficácia ideal, sem componentes “preguiçosos”;
- Os componentes de desgaste comuns podem ser identificados com facilidade, e adquiridos de forma planeada junto dos milhentos especialistas que ainda nos vão servindo, fazendo com que dificilmente se fique “descalço”;
- Um carro pensado como deve ser em termos de recondicionar as peças mecânicas, em vez de um carro reluzente mas velho por baixo, certamente não falha com facilidade, se se mantiver um uso frequente e se aderir ao plano de manutenção delineado pelo fabricante quando era novo;
- Os acrescidos custos de combustível são compensados pelo menor impacto financeiro das manutenções (desde que verifique o ponto de cima), apólices de seguro com taxas mais “simpáticas”, e a aquisição preventiva das peças de desgaste usuais pode dar-nos margem para as adquirir a preços ridículos, mas mesmo aos preços normais, muitas vezes são infinitamente mais baratas que as de um carro moderno. E quantos de nós apregoam o quanto poupam em gasolina ou gasóleo, mas depois pagam mensalmente uma prestação asfixiante pelo monte de plástico desvalorizado que é “tão económico”? O clássico já está pago, muitas vezes não paga imposto de circulação, e o mal que fez ao ambiente ao ser produzido já lá vai… e um uso continuado garante a saúde do carro, que em vez de desvalorizar, até pode subir a sua cotação.
- Qualquer mecânico competente e bem treinado pode manter um clássico em condições, temos é de proactivamente seleccionar e recomendar os bons e filtrar os medíocres. Isso também acabará por melhorar o serviço e a imagem de uma classe repetidamente desvirtuada;
- O gosto individual pelo nosso clássico pode levar-nos a tentar conhecê-lo melhor, e sermos mais cuidadosos, o que é positivo tanto pela maneira como conduzimos, como pela forma que cuidamos dele. Sabemos melhor as suas vulnerabilidades, aprendemos mais, tornamo-nos donos da máquina e não seus escravos martirizados;
- Uma condução preventiva e cuidada só pode ser positiva, pois muitas vezes confiamos em excesso nos computadores com rodas que usamos. Ninguém faz milagres, e as leis da Física são iguais para todos, não perdoam ninguém. Podemos argumentar que os clássicos são menos seguros, mas há muita gente com clássicos modernos, que já têm alguma forma de segurança passiva e activa, e a nossa segurança é em muito feita por nós. Se formos melhores condutores, corremos muito menos riscos, e se calhar até nem temos de andar a fugir dos radares...
- Pôr os carros em circulação melhora a sua fiabilidade, alegra a nossa comuta diária, e dinamiza toda a envolvente. Carros que circulam precisam de peças e serviços, e isso faz com que elas continuem a ser produzidas e vendidas, e os serviços continuam a ter quem os faça.
Mesmo assim não me convence
É claro que todas as ideias, e todas as mudanças de cultura, têm sempre oponentes e detractores. Mas há que pensar que, tal como um apreciador de vinhos, por exemplo, o entusiasta de clássicos está efectivamente a consumir o objecto da sua paixão. Mas a beleza da máquina é que pode ser continuamente reabilitada.
É certo, podemos discutir o valor e o mérito da originalidade e a degradação desta, com o seu impacto na história e na perda dos seus traços. Claro que sim, mas quantos de nós têm carros em que isso verdadeiramente importe? Vamos lá, quantos são? Claro que um carro que seja único, muito raro, com uma história particularmente extraordinária, terá de ser ponderado com calma. Mas um Fiat 127? Ou um 2CV? Ou uma 4L? Ou um Carocha? Tenham paciência… eles foram feitos para trabalhar, não ser objectos de museu! Um clássico que não anda é uma ideia estéril, não cria entusiasmo, não cativa ninguém. É giro pra ver de passagem, comentar e mandar uma laracha ou outra, mas nada mais que isso. E voltamos à história da morte lenta…
Felizmente, vemos entrar neste nosso hobby muita gente jovem, e que trazem com eles uma visão distinta das coisas. Não são estranhos à ideia de um carro ser usado para aquilo que foi feito, preferem muitas vezes cuidar das entranhas dos bichos em vez de ir direitos às operações de estética, e isso tem mérito. Tem é também de ser acarinhado e orientado, porque muitas vezes se cai em caminhos que não sabemos bem onde nos vão levar, e criam expectativas que são depois goradas porque ninguém soube aconselhar.
Quantas vezes não vemos gente que, mal acaba de adquirir o carro, já está a dar voltas aos classificados, à eBay, ou a um catálogo de uma casa especializada, a ver de carburadores xpto, jantes largas e pneus baixos, e se a coisa for mesmo má, motores assim e caixas assado?
Meus amigos, a primeira coisa a fazer não é acenar um cartão de crédito e encher o bicho de dinheiro. Um monte de coisas brilhantes não vai fazer o carro andar melhor, nem ser mais fiável. Nem, muitas vezes vimos a descobrir, mais rápido… às vezes em vez de um passo à frente, dão-se dois para trás. E quem paga é a carteira…
Isto muitas vezes é culpa da tal falta de informação. Vemos aquelas fotos na Internet de um carro todo “apinocado” que até é igual ao nosso, e queremos fazer o mesmo. Mas sabemos mesmo o que está lá por baixo? Ou sabemos sequer se funciona? É que copiar aos bocadinhos é muito mau… tem de se usar a receita toda, e antes disso, saber se é mesmo a receita que nos convém. Quantos Minis com injecções deformantes de esteróides não vemos nós por aí? E no fim, será que são usados? Pelo menos no dia-a-dia, duvido. Não seriam toleráveis, é uma máquina de tortura.
E no entanto, além de toda a fiabilização trazida por uma reabilitação feita como deve ser, há soluções modernas que ainda podem melhorar os nossos carros. Há de facto coisas que o progresso trouxe que são positivas, é preciso é saber quais escolher e como.
Por isso, de facto é preciso apostar em informar melhor as pessoas. Os jovens podem ser aconselhados e entusiasmados para valores mais certos. Claro que é preciso saber o que se está a dizer, mas muitas vezes os conselhos não caem em saco roto. A orientação informada é um bem precioso, e quem adora verdadeiramente o seu clássico fará o melhor para ele. E queremos que a relação das pessoas com as suas máquinas cresça, e evolua sempre para melhor.
Mas eu não tenho tempo para dedicar ao meu carro
Então que diabos faz com um clássico nas mãos? Sejamos francos, os clássicos remontam a um tempo menos frenético que esta loucura que hoje nos rodeia. E se deixarmos, podem levar-nos de volta um pouco a esse tempo. É essa a beleza e o encanto de um clássico. Mas também nos podem ensinar a ter calma e fazer as coisas com mais tempo. Correr menos, fazer as viagens com mais tempo, desfrutar a paisagem, escolher estradas mais atraentes, viver a vida com mais calma.
Claro que nem todos de nós querem ou têm disposição para ser os seus próprios mecânicos. Mas há que lembrar, há gente disposta a trabalhar nesta área que muitas vezes não o faz por ter receio da falta de sustento. E os que estão, fecham as portas por causa da crise, por falta de clientes, por falta de quem os oiça, de quem pague, de quem perceba que vale a pena gastar mais um bocadinho, de quem… enfim, estão a ver o filme. Há muitas más escolhas, de várias origens distintas, que estão a trazer uma morte lenta a quem nos poderia ajudar.
Vemos cada vez mais o cenário de crise apontar-nos caminhos como as apostas nos produtos locais e regionais, a aposta nos tecidos empresariais locais, a dinamização das empresas. Pensem nisto, preferem sustentar uma cadeia anónima e ineficiente, que muitas vezes é a fachada de uma multinacional fria e inerte, ou entregar o vosso carro a alguém que cuide dele devidamente?
Muitas vezes usamos carros descartáveis que, a grande custo de desenvolvimento, alguém se esforçou para tornar obsoleto num prazo curto de tempo. São comprados a preços faraónicos (embora tenham sido construídos na China a cêntimos), muitas vezes deixando a herança de prestações brutais, desvalorizam a olhos vistos, ao fim de 200,000 km (se tiverem muita sorte!) estão despachados e a decomporem-se à nossa frente, e quando dão alguma falha que não estava nos planos, ninguém os sabe arranjar. Porque se perdem enleados na rede das electrónicas, porque a complexidade torna impossível traçar a origem de um sintoma, porque… basicamente, ninguém os conhece como deve ser. Os próprios fabricantes e as suas teorias de marketing assim o ditam. Ninguém deve saber reparar um carro devidamente, isso leva tempo demais e o retorno é pequeno. Troca-se tudo de uma vez e acabou, o cliente que pague. São estes os animais que estão a sustentar ao comprar um carro novo, caem na esparrela todos os dias! É mesmo isto que querem?
Será que compensam mesmo? Será que são assim tão económicos? Será que são assim tão amigos do ambiente? Não. Redondamente enganados por uma máquina enorme que vende ilusões para se sustentar, e podemos prová-lo. São fiáveis? Às vezes… Duram muito? Não.
Acima de tudo, quero deixar-vos apenas com este pensamento… Ser velho não é desculpa para nada. Uma máquina pode ser reabilitada e mantida na sua plena eficácia, desde que tenha sido assim desenhada. É algo que é impossível de fazer com um qualquer carro moderno, mas que um clássico aceita na perfeição. Para quê escolher ser mal servido?
Bem, acho que já provoquei mais que a minha conta… digam de vossa justiça!
Um abraço a todos!
Este post foi promovido a noticia
Estamos a matar o nosso hobby?
A semana passada li a coluna do Jay Leno na Octane, em que ele reclamava que a falta de uso dos carros estava a torná-los inúteis e a arruinar o apoio que poderiam ter. E não deixa de fazer todo o sentido, seja um Duesenberg ou um 2CV. A falta de uso está a matar os nossos carros, e ao mesmo tempo, o nosso hobby.
Como já disse aqui várias vezes, os carros são máquinas, e o propósito único deles é trabalhar e circular. Muitas vezes vemos restauros meramente estéticos, com o intuito de preservar algo que serve de pano de amostra e pouco mais. Quantos casos não conhecemos nós de carros que fazem menos de 50 km ao ano?
A questão desta falta de uso é que acaba por se tornar num duplo homicídio… estamos a fomentar a degradação dos componentes mecânicos, gerando oxidação, sedimentação, e tudo o mais. Mas mais grave, estamos a deixar sem clientela toda uma indústria que não vê em nós uma necessidade de serviço. Um carro que não anda, gasta menos peças. Não justifica que alguém perca tempo a estudá-lo, a aprender a lidar com ele. Quando esse carro precisar de ser visto por alguém que saiba o que está a fazer, pode ser tarde demais. E isso volta a atacar o carro. Morto por não ser possível ressuscitá-lo como deve ser.
É um facto, e é preciso dizê-lo. O hobby do entusiasta dos clássicos está frequentemente ameaçado, e pela mão dos próprios entusiastas. Tirando casos notáveis como o dos ingleses e, de certa forma, os americanos, não há uma cultura de uso dos clássicos. O típico coleccionador português tem a velha e idiota tradição de esconder os carros na garagem e puxar-lhes o lustro de vez em quando, e só de lá os tira para pano de amostra num ou noutro evento.
Quantos de nós não conhecem mecânicos, electricistas, estofadores, e outros artesãos indispensáveis à preservação dos nossos objectos de adoração, que estão a chegar ao fim dos seus dias úteis? Há alguém a tomar o seu lugar? O conhecimento que eles acumularam ao longo da vida de trabalho, está a ser transmitido? Não.
Muitos de nós têm um espírito de iniciativa, e por vezes até mesmo a audácia de fazer as coisas por nós próprios. Mas será que estamos devidamente informados para o fazer? É aqui que, desculpem-me mas, apesar das boas intenções, vemos a Internet falhar com frequência. É que se efectivamente existe bom conhecimento a ser transmitido por aqui, ele dilui-se num oceano de más dicas dadas por amadores que de fundamentos técnicos adequados têm muito pouco ou nada. E caímos num perpetuar de “diz-que-diz”, “comigo resultou assim” e “acho que deves fazer assado”. Isso não pode, nem vai, levar a um futuro assegurado para os nossos clássicos.
Não digo que seja com má intenção, longe de mim, mas a informação mal fundamentada é muito perigosa. E nos dias de hoje, quantos de nós estão dispostos a investigar com calma e chegar ao fundo da questão? Não temos tempo, ou não o queremos arranjar. E muitas vezes acabamos nos fóruns, à beira do desespero, sem saber em quem confiar, irritados, frustrados, com o “calhambeque”. A culpa não é dele… nunca foi.
Usar o carro no dia-a-dia… estão a falar a sério?
Porque não? Certo, se o nosso ganha-pão implica quilometragens colossais, talvez seja má ideia. Mas também depende de muita coisa, incluindo a escolha do carro. Na Alemanha, começou a surgir um movimento de rotura com os carros modernos, e obteve uma expressão tão grande que a própria Mercedes viu nisso uma oportunidade e lançou o programa Youngtimer, em que eles próprios adquirem, revêem, e vendem com as mesmas garantias de novo, carros dos anos 60 a 90. Viram que as pessoas se estavam progressivamente a revoltar contra os carros cheios de indomável electrónica, de componentes com vidas a prazo, e queriam de volta os carros bem concebidos e com reputação de indestrutíveis. E agarraram nisso, e estão a dar nova vida aos carros que antes eram peças de museu ou forro de armazém. E os clientes estão mais satisfeitos.
E faz sentido, sob as mais variadas vertentes, senão vejamos:
- Um carro utilizado com regularidade mantém-se na sua eficácia ideal, sem componentes “preguiçosos”;
- Os componentes de desgaste comuns podem ser identificados com facilidade, e adquiridos de forma planeada junto dos milhentos especialistas que ainda nos vão servindo, fazendo com que dificilmente se fique “descalço”;
- Um carro pensado como deve ser em termos de recondicionar as peças mecânicas, em vez de um carro reluzente mas velho por baixo, certamente não falha com facilidade, se se mantiver um uso frequente e se aderir ao plano de manutenção delineado pelo fabricante quando era novo;
- Os acrescidos custos de combustível são compensados pelo menor impacto financeiro das manutenções (desde que verifique o ponto de cima), apólices de seguro com taxas mais “simpáticas”, e a aquisição preventiva das peças de desgaste usuais pode dar-nos margem para as adquirir a preços ridículos, mas mesmo aos preços normais, muitas vezes são infinitamente mais baratas que as de um carro moderno. E quantos de nós apregoam o quanto poupam em gasolina ou gasóleo, mas depois pagam mensalmente uma prestação asfixiante pelo monte de plástico desvalorizado que é “tão económico”? O clássico já está pago, muitas vezes não paga imposto de circulação, e o mal que fez ao ambiente ao ser produzido já lá vai… e um uso continuado garante a saúde do carro, que em vez de desvalorizar, até pode subir a sua cotação.
- Qualquer mecânico competente e bem treinado pode manter um clássico em condições, temos é de proactivamente seleccionar e recomendar os bons e filtrar os medíocres. Isso também acabará por melhorar o serviço e a imagem de uma classe repetidamente desvirtuada;
- O gosto individual pelo nosso clássico pode levar-nos a tentar conhecê-lo melhor, e sermos mais cuidadosos, o que é positivo tanto pela maneira como conduzimos, como pela forma que cuidamos dele. Sabemos melhor as suas vulnerabilidades, aprendemos mais, tornamo-nos donos da máquina e não seus escravos martirizados;
- Uma condução preventiva e cuidada só pode ser positiva, pois muitas vezes confiamos em excesso nos computadores com rodas que usamos. Ninguém faz milagres, e as leis da Física são iguais para todos, não perdoam ninguém. Podemos argumentar que os clássicos são menos seguros, mas há muita gente com clássicos modernos, que já têm alguma forma de segurança passiva e activa, e a nossa segurança é em muito feita por nós. Se formos melhores condutores, corremos muito menos riscos, e se calhar até nem temos de andar a fugir dos radares...
- Pôr os carros em circulação melhora a sua fiabilidade, alegra a nossa comuta diária, e dinamiza toda a envolvente. Carros que circulam precisam de peças e serviços, e isso faz com que elas continuem a ser produzidas e vendidas, e os serviços continuam a ter quem os faça.
Mesmo assim não me convence
É claro que todas as ideias, e todas as mudanças de cultura, têm sempre oponentes e detractores. Mas há que pensar que, tal como um apreciador de vinhos, por exemplo, o entusiasta de clássicos está efectivamente a consumir o objecto da sua paixão. Mas a beleza da máquina é que pode ser continuamente reabilitada.
É certo, podemos discutir o valor e o mérito da originalidade e a degradação desta, com o seu impacto na história e na perda dos seus traços. Claro que sim, mas quantos de nós têm carros em que isso verdadeiramente importe? Vamos lá, quantos são? Claro que um carro que seja único, muito raro, com uma história particularmente extraordinária, terá de ser ponderado com calma. Mas um Fiat 127? Ou um 2CV? Ou uma 4L? Ou um Carocha? Tenham paciência… eles foram feitos para trabalhar, não ser objectos de museu! Um clássico que não anda é uma ideia estéril, não cria entusiasmo, não cativa ninguém. É giro pra ver de passagem, comentar e mandar uma laracha ou outra, mas nada mais que isso. E voltamos à história da morte lenta…
Felizmente, vemos entrar neste nosso hobby muita gente jovem, e que trazem com eles uma visão distinta das coisas. Não são estranhos à ideia de um carro ser usado para aquilo que foi feito, preferem muitas vezes cuidar das entranhas dos bichos em vez de ir direitos às operações de estética, e isso tem mérito. Tem é também de ser acarinhado e orientado, porque muitas vezes se cai em caminhos que não sabemos bem onde nos vão levar, e criam expectativas que são depois goradas porque ninguém soube aconselhar.
Quantas vezes não vemos gente que, mal acaba de adquirir o carro, já está a dar voltas aos classificados, à eBay, ou a um catálogo de uma casa especializada, a ver de carburadores xpto, jantes largas e pneus baixos, e se a coisa for mesmo má, motores assim e caixas assado?
Meus amigos, a primeira coisa a fazer não é acenar um cartão de crédito e encher o bicho de dinheiro. Um monte de coisas brilhantes não vai fazer o carro andar melhor, nem ser mais fiável. Nem, muitas vezes vimos a descobrir, mais rápido… às vezes em vez de um passo à frente, dão-se dois para trás. E quem paga é a carteira…
Isto muitas vezes é culpa da tal falta de informação. Vemos aquelas fotos na Internet de um carro todo “apinocado” que até é igual ao nosso, e queremos fazer o mesmo. Mas sabemos mesmo o que está lá por baixo? Ou sabemos sequer se funciona? É que copiar aos bocadinhos é muito mau… tem de se usar a receita toda, e antes disso, saber se é mesmo a receita que nos convém. Quantos Minis com injecções deformantes de esteróides não vemos nós por aí? E no fim, será que são usados? Pelo menos no dia-a-dia, duvido. Não seriam toleráveis, é uma máquina de tortura.
E no entanto, além de toda a fiabilização trazida por uma reabilitação feita como deve ser, há soluções modernas que ainda podem melhorar os nossos carros. Há de facto coisas que o progresso trouxe que são positivas, é preciso é saber quais escolher e como.
Por isso, de facto é preciso apostar em informar melhor as pessoas. Os jovens podem ser aconselhados e entusiasmados para valores mais certos. Claro que é preciso saber o que se está a dizer, mas muitas vezes os conselhos não caem em saco roto. A orientação informada é um bem precioso, e quem adora verdadeiramente o seu clássico fará o melhor para ele. E queremos que a relação das pessoas com as suas máquinas cresça, e evolua sempre para melhor.
Mas eu não tenho tempo para dedicar ao meu carro
Então que diabos faz com um clássico nas mãos? Sejamos francos, os clássicos remontam a um tempo menos frenético que esta loucura que hoje nos rodeia. E se deixarmos, podem levar-nos de volta um pouco a esse tempo. É essa a beleza e o encanto de um clássico. Mas também nos podem ensinar a ter calma e fazer as coisas com mais tempo. Correr menos, fazer as viagens com mais tempo, desfrutar a paisagem, escolher estradas mais atraentes, viver a vida com mais calma.
Claro que nem todos de nós querem ou têm disposição para ser os seus próprios mecânicos. Mas há que lembrar, há gente disposta a trabalhar nesta área que muitas vezes não o faz por ter receio da falta de sustento. E os que estão, fecham as portas por causa da crise, por falta de clientes, por falta de quem os oiça, de quem pague, de quem perceba que vale a pena gastar mais um bocadinho, de quem… enfim, estão a ver o filme. Há muitas más escolhas, de várias origens distintas, que estão a trazer uma morte lenta a quem nos poderia ajudar.
Vemos cada vez mais o cenário de crise apontar-nos caminhos como as apostas nos produtos locais e regionais, a aposta nos tecidos empresariais locais, a dinamização das empresas. Pensem nisto, preferem sustentar uma cadeia anónima e ineficiente, que muitas vezes é a fachada de uma multinacional fria e inerte, ou entregar o vosso carro a alguém que cuide dele devidamente?
Muitas vezes usamos carros descartáveis que, a grande custo de desenvolvimento, alguém se esforçou para tornar obsoleto num prazo curto de tempo. São comprados a preços faraónicos (embora tenham sido construídos na China a cêntimos), muitas vezes deixando a herança de prestações brutais, desvalorizam a olhos vistos, ao fim de 200,000 km (se tiverem muita sorte!) estão despachados e a decomporem-se à nossa frente, e quando dão alguma falha que não estava nos planos, ninguém os sabe arranjar. Porque se perdem enleados na rede das electrónicas, porque a complexidade torna impossível traçar a origem de um sintoma, porque… basicamente, ninguém os conhece como deve ser. Os próprios fabricantes e as suas teorias de marketing assim o ditam. Ninguém deve saber reparar um carro devidamente, isso leva tempo demais e o retorno é pequeno. Troca-se tudo de uma vez e acabou, o cliente que pague. São estes os animais que estão a sustentar ao comprar um carro novo, caem na esparrela todos os dias! É mesmo isto que querem?
Será que compensam mesmo? Será que são assim tão económicos? Será que são assim tão amigos do ambiente? Não. Redondamente enganados por uma máquina enorme que vende ilusões para se sustentar, e podemos prová-lo. São fiáveis? Às vezes… Duram muito? Não.
Acima de tudo, quero deixar-vos apenas com este pensamento… Ser velho não é desculpa para nada. Uma máquina pode ser reabilitada e mantida na sua plena eficácia, desde que tenha sido assim desenhada. É algo que é impossível de fazer com um qualquer carro moderno, mas que um clássico aceita na perfeição. Para quê escolher ser mal servido?
Bem, acho que já provoquei mais que a minha conta… digam de vossa justiça!
Um abraço a todos!
Este post foi promovido a noticia