Alfa Romeo ad perpetuam rei memoriam - alfasud sprint 1.5 veloce

Diários de Bordo

Alfa Romeo ad perpetuam rei memoriam - alfasud sprint 1.5 veloce

Memória

nome feminino

1.
função geral de conservação de experiência anterior,que se manifesta por hábitos ou por lembranças; tomada de consciência do passado como tal
2.
lembrança; recordação
3.
monumento comemorativo
4.
nome; fama
5.
INFORMÁTICA unidade de armazenamento deinformação relativa a dados, instruções e programas
6.
dissertação científica, literária ou histórica
7.
exposição sumária
8.
memorando
9.
plural escrito narrativo em que se compilam factospresenciados pelo autor ou em que este tomou parte


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Esta apresentação foi já feita duas vezes. Vem do início da história deste portal, e do Vitor Dinis Reis me ter oferecido um porta chaves, que prazerosamente conservo na minha vitrina de memorabilia, pouco depois de ter fechado negócio. No dia que o sprint veio morar comigo era um miúdo de 20 e poucos a sair da faculdade. Hoje sou um homem de quase 40 que ainda se sente quase que saído da faculdade... que vertigem. Estava o portal dos clássicos a dar os primeiros passos, e o gérmen de um prazer comum apurado por genuíno e bom espírito a fermentar. Nunca paguei essa lembrança ao Vítor. A forma desinteressada com que o fez também não esperava qualquer tipo de retorno. Mas um dia Vítor,... um dia...

E um dia foi também aquele com que me cruzei com este modelo. Não deveria ter mais de 4 ou 5 anos. O diesel era naqueles dias alimento de motocultivadores e carrinhas de caixa aberta. Mercedes era táxi, executivo de firma do norte ou novo rico na praça. Eléctrico eram torradeiras e termoventiladores. SUV's eram "jipes", ou carros todo-o-terreno. Charme, classe, estatuto ou qualquer outro jargão regional eram carros de 3 volumes, 4 portas, a gasolina, preferencialmente de grande cilindrada, de proveniência italiana, inglesa ou alemã. Os carros eram todos diferentes uns dos outros, as maçãs cheiravam, as ameixas tinham sumo, brincava-se na rua e tinha-se 2 canais de televisão. Lia-se livros, daqueles em papel. Via-se filmes, cinema europeu, francês da nouvelle vague, neo-realismo italiano, sueco até, Ingmar Bergman, e produções de pacotilha ou séries de grande porte gravadas na extinta Cine Città. Ouvia-se música, em vinil a 33 rotações daquela que o pai dizia que um dia viríamos a gostar "porque conhecimento nasce nos clássicos", e era chato de hoje ser tão bom. O Cavaco foi à Figueira rodar o BX e, golpe de teatro sai de lá presidente na antecâmara de profundas alterações na sociedade portuguesa, e a mulher entrava definitivamente num período de catarse, afirmando-se como elemento de paridade na sociedade moderna e no espectro laboral por mérito próprio. O video tape permitia escolher uma programação, desde que fossem filmes. De Bud Spencer a Gene Kelly, havia um pouco de tudo. Ia-se ao videoclube e escolhia-se pela capa ou pelo "ouvi dizer"... Betamax ou VHS, não sabíamos ainda qual o futuro. Os jovens compravam cassetes e ingressos para espectáculos na tubitec, ali em D. João I paredes meias com o Rivoli e os mais velhos comiam por tuta e meia gelados de máquina com 3 sabores, morango, chocolate ou baunilha como que se não fosse preciso mais escolha para se ser feliz. E se o charme era um pouco disto ou a mistura do que fica disto, "pinta" eram carros baixinhos, ligeiros, rápidos e sonoros. Tudo como hoje portanto...

(Continua...)
 
Memória

nome feminino

1.
função geral de conservação de experiência anterior,que se manifesta por hábitos ou por lembranças; tomada de consciência do passado como tal
2.
lembrança; recordação
3.
monumento comemorativo
4.
nome; fama
5.
INFORMÁTICA unidade de armazenamento deinformação relativa a dados, instruções e programas
6.
dissertação científica, literária ou histórica
7.
exposição sumária
8.
memorando
9.
plural escrito narrativo em que se compilam factospresenciados pelo autor ou em que este tomou parte


Ver anexo 1151965

Esta apresentação foi já feita duas vezes. Vem do início da história deste portal, e do Vitor Dinis Reis me ter oferecido um porta chaves, que prazerosamente conservo na minha vitrina de memorabilia, pouco depois de ter fechado negócio. No dia que o sprint veio morar comigo era um miúdo de 20 e poucos a sair da faculdade. Hoje sou um homem de quase 40 que ainda se sente quase que saído da faculdade... que vertigem. Estava o portal dos clássicos a dar os primeiros passos, e o gérmen de um prazer comum apurado por genuíno e bom espírito a fermentar. Nunca paguei essa lembrança ao Vítor. A forma desinteressada com que o fez também não esperava qualquer tipo de retorno. Mas um dia Vítor,... um dia...

E um dia foi também aquele com que me cruzei com este modelo. Não deveria ter mais de 4 ou 5 anos. O diesel era naqueles dias alimento de motocultivadores e carrinhas de caixa aberta. Mercedes era táxi, executivo de firma do norte ou novo rico na praça. Eléctrico eram torradeiras e termoventiladores. SUV's eram "jipes", ou carros todo-o-terreno. Charme, classe, estatuto ou qualquer outro jargão regional eram carros de 3 volumes, 4 portas, a gasolina, preferencialmente de grande cilindrada, de proveniência italiana, inglesa ou alemã. Os carros eram todos diferentes uns dos outros, as maçãs cheiravam, as ameixas tinham sumo, brincava-se na rua e tinha-se 2 canais de televisão. Lia-se livros, daqueles em papel. Via-se filmes, cinema europeu, francês da nouvelle vague, neo-realismo italiano, sueco até, Ingmar Bergman, e produções de pacotilha ou séries de grande porte gravadas na extinta Cine Città. Ouvia-se música, em vinil a 33 rotações daquela que o pai dizia que um dia viríamos a gostar "porque conhecimento nasce nos clássicos", e era chato de hoje ser tão bom. O Cavaco foi à Figueira rodar o BX e, golpe de teatro sai de lá presidente na antecâmara de profundas alterações na sociedade portuguesa, e a mulher entrava definitivamente num período de catarse, afirmando-se como elemento de paridade na sociedade moderna e no espectro laboral por mérito próprio. O video tape permitia escolher uma programação, desde que fossem filmes. De Bud Spencer a Gene Kelly, havia um pouco de tudo. Ia-se ao videoclube e escolhia-se pela capa ou pelo "ouvi dizer"... Betamax ou VHS, não sabíamos ainda qual o futuro. Os jovens compravam cassetes e ingressos para espectáculos na tubitec, ali em D. João I paredes meias com o Rivoli e os mais velhos comiam por tuta e meia gelados de máquina com 3 sabores, morango, chocolate ou baunilha como que se não fosse preciso mais escolha para se ser feliz. E se o charme era um pouco disto ou a mistura do que fica disto, "pinta" eram carros baixinhos, ligeiros, rápidos e sonoros. Tudo como hoje portanto...

(Continua...)
Uau!!!
Excelente texto. Consegui recuar no tempo...
Aguardamos novidades.
Nao podia ter dito melhor , fizeste me recuar no tempo e ficar na ansia de mais alimento para a alma . Quem me dera saber escrever assim como tu .
 

António José Costa

Regularidade=Navegação, condução e cálculo?
Portalista
Epá isto é uma penitência, começamos o tópico desta forma absurdamente bem escrita, humorística e temporal como se deseja, e depois nada mais!
Adorei tudo, mas somos voyeurs só levantar a saia não chega.
Parabéns, pela máquina, pela escrita e por partilhares ambas.
 
OP
OP
Miguel Gomes Dinis
(...)

Foi também naqueles dias que em casa havia um Austin Allegro, que a natureza e Deus tiveram a sábia decisão de apagar da memória. Foi pouco depois que a ele se juntou um carocha 1302, que a mesma natureza e Deus acharam por bem mostrar que nem tudo que não gostamos na vida deve ser depreciado, e que o longo e penoso caminho da provação é o mais capaz modelador de carácter. (verdade que podemos encontrar encanto em tudo que tenha rodas. Por vezes com muito esforço conseguimos ver rodas onde estão quadrados, e este é o único detalhe que lembro do Allegro, e quem teve azar na vida para ser assim tão castigado deve saber aquilo a que me estou a referir. Não me levem a mal acentuar o sectarismo... convém-me porque não me serve, mas como já perceberam eu não me recomendo).

E assim corria a infância, pobre demais para ser rico, confortavelmente abastado de tudo que era essencial, e algo do que era supérfluo, como qualquer criança de classe média do Portugal de oitentas, com pais que viram e viveram uma nação pobre, animados do espirito de já poderem dar aos filhos mais do que tiveram.

E foi nessa infância, na candura ondulada e pastel de uma idade que via as relações humanas com o contorno de desenho infantil, que me apercebi que até nas relações extra conjugais d'antanho os acessórios faziam imagem mestra de ângulo estético. Ela de tweed com saia pelo joelho. Botas altas e casaco escuro em dia de inverno. Sem tatuagens ou gestos fora de escala. Sóbria, até sombria de embaraço. Poucos anéis, unhas brancas de verniz transparente. Óculos e bolsa ao ombro marcavam a fronteira entre o minimalista e o necessário. Vivia-se o prólogo da exuberância do final de década, pelo que não eram ainda de moda permanentes, estampados e chumaços de ombro exagerados. Ele normalmente de camisa aberta 2 botões. Blazer cintado ou casaco de couro comprido. Calças justas na cinta, sapatos de cabedal engraxado, cabelo cuidadosamente penteado, um pouco comprido, ray ban aviator de lentes verdes e cigarro no canto da boca. Para mim parecia-me uma espécie de Steve McQueen nas vésperas de Le Mans. Imaginava que o cigarro que fumava pudesse ser JPS de caixa dourada e negra pousada no tablier. Talvez junto de dossiers importantes de uma empresa de confecção de Santo Tirso... ou esquissos de um projecto de arquitectura em fase embrionária.

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Tudo isto fora. Por vezes quando de Blazer num BMW E12 cinzento claro, mas quase sempre quando de couro comprido num espampanante Alfa Romeo GTV Bertone 105. Hoje saberia dizer exactamente qual. Na memória ficou o modelo sem a versão. Vermelho. Parecia um cover do "Lugar do morto" do JP Vasconcelos, mas sem a Ana Zanatti, e com um Giulia Coupé no lugar da berlina. Tudo aquilo me parecia extraordinariamente cénico. Sobretudo no detalhe de uma sedução aparente que ainda não entendia, mas produzia um estimulante efeito estético, cuja composição ganhava força quando o indivíduo se inclinava para abrir a porta do lado direito para dar entrada ao passageiro, e acelerava forte quando longe já só se via poeira e duas cabeças acima do estofo baixo. Um Alfa Romeo... já teria uns anitos, e estava longe de ser visto com os olhos que o tempo amadureceu. Mas era luxuriosamente apaixonante...

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Ela era colega da mãe, professora numa escola de um conhecido arrabalde da cidade do Porto... Ele era o Steve McQueen. De couro comprido quando de Alfa. De Blazer escuro quando de BMW. Empresário, Advogado, Arquitecto, músico Jazz... Aventureiro de cigarro ao canto da boca, Ray Ban cruzando o olhar e Chopard no pulso. Tinha de certeza um amplificador de válvulas McIntosh na sala com gira discos Thorens, colunas Wilson Audio com cabos Nordost. Tinha uma estante de livros e um open space com um piano de cauda, e junto do hi-fi uma Eames chair com repousa pés. Daquelas com costas de madeira e couro preto. Jogava ténis ao fim de semana com os amigos, e trocava garrafas de scotch com o Domingos e o Bernardo Sá Nogueira que via correr em Vila do Conde com carros iguais ao seu... ou então era um valente estafermo com filhos a cargo, uma família destruída, e uma senhora fora do matrimónio com uma vida conjugal desfeita. Mas naquele tempo com a indefinição imaterial da densidade do homem, ele era o Steve McQueen, escutava boa música e conduzia um lindíssimo Alfa Romeo GTV. Ela era uma espécie de Snu. O aparato era de certa forma encantador, tanto quanto uma cabeça de criança consegue construir no redor de um carro que o faz sonhar.

(Continua...)
 
Última edição:

NunoCouto

Pre-War
Premium
Portalista
É bom que continue sim...

E só espero que não venha por aí a sociedade de autores acusar de plágio porque a escrita está uma obra prima! :wub:
 

Luis Gonçalves

Classic Car Addiction
Grande descrição! Consegui perceber que na irreverência dos 80.. o tipo ouvia David Bowie ou Stones...

Muito bom! Obrigado por me fazeres recuar no tempo e recordar as míticas corridas aceleras em Vila do Conde. Recordo um episódio de um capotanço.. Toda a gente começou a fugir com medo da polícia.. Já que era ilegal a noite... e uns malucos correram para o carro.. Sacaram o piloto de dentro.. É outros em cima do carro a saltar.. Depois um desses com umas ideias muito avançadas para a época abriram o deposito de gasolina e siga... Isqueiro em cima dele.. Foi ver o carro a arder.

Escondido atrás de uma moita com uns amigos .. E apreciar os bombeiros apagar o que restava, e não se fizeram parvos.. Entraram e fizeram um peão com o jipe.. É saíram com o mesmo estilo... O pessoal que por ali ficou a aplaudir! Grande abraço..

Continua em grande!
 
OP
OP
Miguel Gomes Dinis
(...)

Chegava a escola. Primeira classe. Mochila de plástico com o Sport Billy. Verde. Duas canetas bic cristal, caderno, sebenta, lápis, borracha, afia e estojo de couro castanho. Bata branca e alma negra. Mas afinal não precisava nada mais do que os pais e brincar na rua. Do 128 cor de tijolo do vizinho e panela rota a sair todas as manhãs, dos cartoons foleiros dos países de leste do Vasco Granja e os "amigos de Gaspar" com música alegre do Sérgio Godinho... porquê a escola?

Mas com o tempo lá se foi absorvendo a rotina. Já não arrastava os pés pelo caminho. Já não precisava das botas ortopédicas. Já tinha amigos com quem me identificar, um recreio macio de areia e saibro para brincar onde pedras bicudas pontuavam aqui e ali. As portas das casas de banho de cheiro fétido a servir de baliza para os desafios de futebol, os elásticos cheios de emendas com que brincavam as meninas, e os berlindes e abafadores que faziam percursos e ondulavam em covinhas feitas no terreno... para cima... para baixo...para cima... para baixo...

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Parecia austero... e era. A professora era já sexagenária. Naquela altura aos meus olhos parecia já ter vivido mais do que o tempo. Pintava o cabelo de ruivo e gingava apoiada nos joanetes. Fazia-se acompanhar de adereços bastante carinhosos como canas, réguas com 5 furos na ponta e demais mimos que aplicava com as próprias mãos. Com requinte de ourives torcia orelhas, acariciava com os nós dos dedos os cocurutos das tenras cabeças que falhavam a tabuada, ou embalava com a mão tépida junto das bochechas dos que falhavam as letras. Um doce de senhora.

Mas nos momentos livres fazia-se silêncio... até ao despertar da gaita de amolador cuja estridência acompanhada da queda de folhas outonais e distorção de cores pelo ressoado do vidro faziam de um bairro comum uma pintura de Monet...

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...encostava a cabeça ao vidro húmido, por vezes assistindo às "afáveis" carícias da professora com os colegas, sempre acompanhada dos instrumentos de tortur... de ternura. Ora a vara, ora a régua, ora as próprias mãos... ou forçava-me a olhar para dentro do Monet, e reconstruir a imagem dos coleguitas a sair dos carros dos pais com a merenda na chegada à Sanzal... à Escola. Um Datsun 1200 do Pai da Andreia, um 100A do João Pedro. O André Afonso vinha num Renault 11 vermelho. Era reputado na altura, o modelo era recente, e um segmento C na década de 80 era coisa fina. Mas os mais interessantes eram os que transportavam a Joana, um Rover SD1 Vitesse Castanho e... Um Alfetta 2.0 Seconda Série.

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Era do pai de um menino de outra turma. Azul marinho e só lhe faltava o tejadilho branco com o pirilampo para ser dos Carabinieri. O pai do menino podia fazer a saída da escola em estilo a varrer a traseira, como faziam aqueles italianos de "La Piovra" que o pai não deixava ver por ser criança...

Na minha cabeça o pai daquele menino devia ser muito senhor de si. Devia ser inspector de qualquer coisa importante, autónomo e irredutível com certeza. O pai da Joana também, de quem me lembro do bigode e daquela maravilhosa frente de GTB4 Daytona. Do Rover SD1, não do pai da Joana. Mas a Joana não queria saber se lhe admirava o pai por ter um SD1 castanho com frente de GTB4 Daytona. Provavelmente até acharia estranho que a abordasse com esse propósito. Assim, ficava logo de manhã à chegada, entre o portão e a escola, no meio da terra, do saibro e das pedras a olhar pela rede e a esperar a chegada do SD1, mas sempre ansioso pelo Alfetta azul, e uma saída digna do estacionamento da escola como fazia o Steve McQueen de RayBan, camisa aberta e cigarro no canto da boca...
Ou então junto ao vidro de Monet na sala do primeiro andar, com o barulho abafado pelo vidro dos meninos a brincar lá em baixo, a receber o pacote de leite escolar, e a desembrulhar merendas de pão com queijo, marmelada ou manteiga em dias de sorte.

Chegara o natal, e quisera o destino que eu também recebesse um Alfetta de presente. No meu caso um 159 Alfetta.

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Tinha um trevo em fundo branco, e era claramente um carro de competição. Por baixo dizia 159 Alfetta, mas o pai teria dito que aquela berlina azul do pai do menino da escola seria também Alfetta. Fiquei confuso. Mas alvoroçado com os dois, um mais pela cobiça de menino, o outro pela ânsia de ser adulto e fazer como o Michele Placido em "La Piovra", conduzir o Alfetta dos grandes, vestir gabardina beije, um arnês de onde pudesse sacar da pistola, e perseguir mafiosos com grande charme pelas ruas estreitas de Nápoles, pejadas de vespas e de raparigas de vestidos vaporosos que levantavam na corrente de passagem do Alfetta...

Passou o ano, 1986. Depois do frio o Carnaval, a Páscoa, as amêndoas e os ovos de chocolate. A família reunida e os comensais à mesa. Aquele era irmão da mãe e tinha uma carrinha Opel Rekord. O outro era cunhado e tinha um Mini 1000. Também havia um Simca 1100, um Toyota Corolla, de fulano e sicrano. E mais uma série de outros, mas não havia Alfa Romeo. Que saudades da janela da escola e do Alfetta do pai do menino da outra turma... de repousar a testa na janela húmida de Monet, molhar o cabelo nas gotas do vidro e lamber quando pingavam nos lábios. Do amolador a parar a bicicleta com um caixote na frente e a afiar tesouras, cutelos e demais afiáveis. Passava um carro de vez em quando, qual era? Queria ser grande e conduzir como o Michele Placido, ou seria Ispettore Corrado Cattani?... Viver em Itália, numa Vila de paredes ocre com estuque a cair e um grande jardim com caminhos, buxos, flores e bustos de bronze. Sem a professora de bata branca, os toyotas, os minis e os Opel. Só com o GTV como o do Steve McQueen, ou um Alfetta como o do Michele Placido. Tirar o arnês com coldre de couro, beber de um copo pousado na banca e sair de novo na noite. De Alfa Romeo. Pelas luzes das montras, pelo ar da província. Sair a passo primeiro, a trote depois e a galope,... e como o "caminhante não deixar caminho, somente sulcos no mar".

Chegados ao verão e ao estio, do fim das aulas e do Alfetta à porta da escola. De um ano mais tão longo quanto a minha pequena vida. Tão pequeno e curto para os pais sem que percebesse porquê. Chegado o momento da mãe concorrer para uma Escola, ao abrigo da lei da "preferência Conjugal". A família ainda era uma célula sagrada para o Portugal de 80 e a tutela achou por bem que destacar professores para longe de onde a família tinha assentado bases era capaz de ferir o princípio de união fundamental do núcleo familiar, e portanto a mãe concorria todos os anos para um escola que não fosse muito distante da área de residência. Também aqui, tudo como hoje portanto.

E foi assim que um dia, de sol a pique, a caminho da escola da Torrinha no Porto ...

(continua...)
 
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