Fabricados no Porto, nos anos 30, em apenas quatro exemplares, os Edford fizeram história na competição automóvel nacional da época. Dos quatro, apenas dois sobreviveram. Um deles, com uma carreira desportiva brilhante, sobrevive, muito modificado, algures na Alemanha. O outro, após vários donos, é propriedade do filho do construtor .
Em 1937, o industrial portuense Eduardo Ferreirinha que, a par de uma notável carreira como piloto, era um técnico respeitado, com algumas patentes registadas e grande experiência anterior na criação de veículos para competição, nomeadamente sobre mecânicas dos Ford V8, que transformara em monolugares, enfrentou um novo desafio e, inspirado naqueles, concebeu e construiu um novo automóvel desportivo.
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O Edford construído e pilotado pelo industrial portuense Eduardo Ferreirinha que hoje se mantém como propriedade da família
O resultado foi o Edfor, indubitavelmente uma obra-prima, tanto pela beleza das linhas, que o levaram a ser considerado, no seu tempo, um dos mais elegantes «sports» da Europa, como na concepção mecânica, recheada de inovações, a maioria concebidas nas próprias oficinas do construtor
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Numa entrevista à revista «O Volante», por ocasião da apresentação do carro, Eduardo Ferreirinha explicava as principais novidades em relação aos anteriores modelos, revelando tratar-se de um «(...) dois lugares, 160 kms/h, carroçaria toda metálica em alumínio, com o peso de 150 kgs, sendo o esqueleto em liga especial de alumínio fundido, que é um género de construção inédito; guarda-lamas de desenho atraente e cem por cento aerodinâmicos; pára-brisas de concepção nova e cadeiras de suspensão integral. O motor foi equipado com pistões 'a turbulência' para maior rendimento (...). A caixa de velocidades foi modificada de forma a obterem-se os 85 kms/h em 1ª. velocidade e os 130 em 2ª. A direcção está equipada com uma caixa intermédia multiplicadora e está estudada para maior segurança. A suspensão da frente é de novo desenho, com molas helicoidais em grupo, facilmente regulável, e permitindo um comportamento nas curvas em segurança absoluta.
Os amortecedores, reguláveis do tablier, são do novo modelo André Telecontrol, e os travões foram modificados, sendo os tambores equipados com alhetas de liga de alumínio de grande diâmetro». O preço do era de 55 contos, o que nem pode ser considerado exagerado, tratando-se de um veículo de fabrico praticamente artesanal.
Tendo-se revelado de imediato um êxito a merecer mesmo referências em publicações estrangeiras da especialidade, os Edfor depressa atingiram uma presença prestigiada no panorama do automobilismo desportivo nacional, nas mãos do próprio Eduardo Ferreirinha e de outros corredores de então. Com um desses «sports», o RP-10-30, o construtor obteve um 4º. lugar no Circuito de Vila Real, ainda em 1937, depois de ter comandado a prova ao longo de oito voltas, e o 2º. na Rampa de Santo Tirso, no ano seguinte. Até ficar bastante danificado num acidente ocorrido durante o Rali Internacional de Lisboa, em 1947, este carro ainda averbou, na sua longa carreira, várias classificações honrosas.
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Entretanto, havia já cerca de sete anos que um anúncio num jornal alemão o colocara à venda: a história coincidia, mas a fotografia mostrava uma carroçaria bastante diferente da original, sobretudo na frente e na traseira, zona em que foi montado uma espécie de leme de avião ligeiro. Identificado por um neto do construtor, este quase não acreditava tratar-se do Edfor construído e pilotado pelo avô.
O outro Edfor de que se conhece registo de matrícula, o NT-10-68, tem um palmarés desportivo mais modesto, mas uma história que acaba bem, não se encontrasse ele, desde 1955, no Porto e na garagem do filho de quem o construiu. Também de nome Eduardo, o jovem Ferreirinha cumpria a tropa como aspirante em Santa Margarida quando, naquele ano, voltou a ver um dos Edford perto de si: «Era guiado por um sargento, ali mesmo na parada do quartel, a caminho do portão da saída. Com efeito, acabou por sair; meti-me num carro, fui atrás dele pela estrada do Tramagal e soube que pertencia a Rui Duarte Ferreira, a quem propus comprá-lo, dizendo-lhe quem era e contando-lhe algumas estórias do carro. Pediu-me dez contos... que eu não tinha e que o meu pai não me deu!»
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Nestas coisas, as mães são mais compreensíveis, e o jovem militar acabou por ver o problema resolvido com a ajuda materna, fazendo, com grande surpresa para a família, regressar ao lar o NT-10-68 construído em 1937. Aos 70 anos, Eduardo Ferreirinha sente um natural orgulho no automóvel. Apesar dos seus 63 anos, parece ter saído há pouco das mãos habilidosas de seu pai. Utiliza-o com frequência, mesmo em deslocações mais longas em tempo de férias algarvias ou em passeios estivais pelos arredores do Porto. Sem problemas de manutenção, o Edfor, sem que se lhe possam assacar culpas, apenas lhe pregou um susto: «Foi por ocasião da festa dos vinte anos do autódromo do Estoril, acelerei demais, despistei-me e... fui à relva». É o único Edfor existente em estado original. Felizmente.
Quanto aos monolugares que o inspiraram, nem um só escapou à sucata. Dos três, construídos em 1936, um deles (o N-17021, mais tarde MN-70-21) foi adquirido por um jovem de nome Manoel de Oliveira expressamente para competir... e alcançar várias vitórias. Ainda longe das longas-metragens mas já apaixonado pelas grandes velocidades, conta-nos como numa certa tarde chuvosa do Circuito Internacional da Gávea, no Rio de Janeiro, enfrentando carros mais potentes, alcançou um excelente terceiro lugar: «...um outro concorrente avariou à minha frente, parti mal, mas depois, graças à chuva que começou a cair, passei toda aquela gente e, no final, só se classificaram antes de mim os dois Alfa Romeo oficiais de fábrica conduzidos pelos melhores pilotos europeus de então - o Pintacuda e o Tadinni. Para mim, guiar à chuva era canja... não havia diferença, mas não era como agora, porque sempre que se saía da estrada era em definitivo...».
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Com o mesmo carro, Manoel de Oliveira averbou ainda mais alguns êxitos, entre eles o triunfo no I Circuito Internacional do Estoril, e vários recordes de rampa em Portugal, apesar de se considerar tão-somente «um amador apaixonado, muito voluntarioso, que guiava com a cabeça e muito coração, mas que tinha muito jeito para aquilo...». Tanto que esteve prestes a ganhar um campeonato nacional de rampas, não fora o ACP ter anulado, sem razões plausíveis, a derradeira subida do calendário. Vendeu o carro para a sucata, mas hoje o grande cineasta que é Manoel de Oliveira confessa o seu arrependimento: «Foi pena; agora não o faria, mas casei-me e tive que tomar juízo... Foi a melhor taça que ganhei!»
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O Edford de Eduardo Ferreirinha à partida para o Rali das Amendoeiras, em 1955, em Lisboa
Ver anexo 9507
Manoel de Oliveira (à direita) e o seu irmão Casimiro, também um excelente corredor, junto do carro do primeiro