Para melhor conhecer a personalidade do construtor :
Entrevista a Mário Leite
“Comecei a trabalhar com automóveis aos 10 anos,
eu morava na Carvalhosa e, no andar por baixo do
meu, morava o dono de um carro de praça da marca
Darracq. Quando ele queria limpar os cilindros do
automóvel pedia-me para o ajudar porque eu tinha
a mão pequenina.”
Mário Moreira Reis Leite obteve a carta de
condução no dia 10 de Fevereiro de 1933, tinha
18 anos sendo necessário emancipar-se para
poder conduzir legalmente.
Afirma que o exame não passou de um pró-forma;
Só havia 5 sinais de código e podia-se circular em
todas as direcções, excepto na rua de Cedofeita
por causa dos engarrafamentos...
Engarrafamentos???
Sim, explica, por causa dos carros de Bois!
Mário Moreira Leite conduziu até 2002 e nunca
teve um acidente.
Foi sorte ou perícia do condutor?
As duas coisas. Olhe, uma ocasião em 1957, tive
de ir a Barcelona e foi a primeira vez que eu guiei
à minha vontade...
O que quer dizer?
É que quando ia acompanhado tinha de parar,
para isto e aquilo...
Dessa vez fui sozinho e não parei. Só para meter
gasolina. Guiava um Chevrolet de 1952. Saí do
Porto às 7 da manhã e às 10 da noite estava em
Barcelona, com 1350 km feitos. (média de 90/km por hora!)
Dois anos depois, participou, pela primeira vez,
numa corrida de automóveis como piloto, embora
já antes tivesse corrido, como mecânico, sentado
ao lado de grandes nomes das corridas de
automóveis da época.
Eu era sempre dos que chegava ao fim. Ficava
sempre nos primeiros 10 lugares e qualquer carro
me servia, eu ia para me distrair.
Apesar de afirmar que qualquer carro lhe servia
Mário Moreira Leite concebeu e construiu um
automóvel à sua medida: o MARLEI.
No início dos anos 50 chegou à garagem do
agente da General Motors, em Vila Nova de Gaia,
uma Opel Olympia Caravan, totalmente destruída
por um acidente. Mário Moreira Leite, na altura
chefe dos mecânicos nessa oficina, desencadeou
o início da construção de um novo automóvel,
nas horas vagas, aproveitando peças do destroço.
Qual foi o seu objectivo principal quando decidiu
construir o MARLEI?
Olhe, eu cacei, pesquei, fui piloto da aviação civil,
... construir o MARLEI foi mais uma válvula de
escape como outra qualquer. Sempre gostei de
desafios, de resolver coisas difíceis... e valeu o
esforço, o carro ficou fantástico! Era impossível
virá-lo!
Mário Leite aproveitou a plataforma e as
suspensões do Opel e fez uma estrutura em tubos
e painéis de aço soldados. A carroçaria em
alumínio, estampada à mão pesava apenas 35
quilos. O motor e a direcção também eram Opel
enquanto a transmissão e o bloco de travagem
eram Vauxhall. A maior intervenção mecânica foi
feita na caixa de velocidades e no diferencial para
ser possível ganhar mais quilómetros. No final o
carro pesava 500 quilos e atingia os 170kms/h
O Marlei estreou-se na competição em 1955 no
IV Rali ao Porto, um total de 183 quilómetros com
saída do Porto passagem por Braga, Barcelos,
Viana do Castelo e regresso à Invicta. Terminou
esta prova de estreia na 2° posição da 1° classe
do Grupo B, demorando 1 hora 33 minutos e 75
segundos a completar a prova.
O Carro causou boa impressão mas não participou
em muitas corridas, como explica Barros
Rodrigues, autor do livro “Marlei - O Sonho de
um Artífice”, …O Marlei apareceu numa época
tardia, em que se vislumbrava já um ataque mais
cerrado das marcas estrangeiras como a Denzel ou
a Porsche, iria, por isso, ter um papel reservado no
contexto competitivo.
Mário Moreira Leite tem hoje 88 anos, vive com
Júlia Moreira Leite desde os vinte anos. Juntos
participaram em dezenas de corridas e de viagens.
Júlia Moreira Leite também correu em muitas
provas de perícia e sempre incentivou as outras
senhoras a obterem a licença de condução e a
correrem também.
A Imaginação de Mário Moreira Leite não se ficou
pela construção do MARLEI. É também da sua
autoria um cronómetro eléctrico que chegou a
ser muito utilizado nas provas de desporto
automóvel.
Durante os anos 60 foi ele que trouxe para o norte
de Portugal as corridas de Karting. Os primeiros
6 karts que correram em Portugal foram
construídos por ele. Ainda há dois anos, com 86
anos, correu num circuito de Kartings em Braga.
Hoje, sentado ao lado da sua companheira de
vida e de corridas, Mário Moreira Leite gosta de
ver na televisão as provas de desporto automóvel
e torce sempre pelo piloto brasileiro Barrichelo.
Nunca consegui estar parado… Sempre gostei de
desafios…, repete Mário Moreira Leite enquanto
se despede das entrevistadoras, fazendo uma
pausa naquele desfiar de memórias ao qual vai
voltar já a seguir, sorrindo.¹