Miguel Gomes Dinis
Veterano
(...)
Ecce Homo
... Boémia, partidas, chegadas. Trocar as noites pelos dias. Jurar os amigos, levá-los na vida. Exames (últimos), Trabalhos (últimos). Fim de estrada, de saída já para a saudade. Os valores nas pautas, o caminho estreito. Olho no futuro, canudo na mão. Portugal XXI cheio de dúvidas... dos poucos que ficam, dos muitos que partem, dos outros que partem mas ficam, e dos mais que ficam partindo. Olho de sal e mar em pranto. O Nuno parte... para Barcelona. Médico Dentista. O Zé para Turim... Engenheiro Mecânico. O Marco, o João, Marcelo... O Bruno, A Sónia, O Jota... Inglaterra, Dubai, Venezuela... Brasil, China, Estados Unidos, o que é isto??!! Há dias atrás seriamos crianças, de boneca na mão e bola no pé. Em cada uma de nossas casas havia emprego para a vida, os país aqui e os amigos tão aqui quanto eles. Os géneros ali ao lado em mercearias pequenas, os espaços de bairro e as intimidades avulsas. O jornal do pai ao domingo, o telefone em cima de rendas sobre mesa de camilha, um televisor Grundig na sala, e um rádio a pilhas à janela de tantos para o relato da jornada... E a vida era assim e nada mais. Que mais até, se na verdade se tem tudo? Para anos depois vir a ter mais e na verdade nada se ter...
"O Nuno segue de abalada para a semana. Vamos fazer um jantar"
"O Zé vai a seguir, vamos fazer outro"
... e a mesa grande ficava pequena. O tilintar de copos e a vozearia forte mais fracos, mais fracos, mais fracos.
Vou também ou fico?
Fiquei.
Na mesa pequena dos poucos daqui. Por horas grande quando chegam todos, mas pequena nos dias de inverno e semanas de chuva, nas quartas-feiras comuns de um mês de Fevereiro depois do Carnaval no Rio.
Afundei enfim na satisfação material, porque ele chegou, se a vida era éter e o futuro incerto. Finalmente! Ecce Homo!
O meu Alfa Romeo! Cedido a pressões externas, de um espírito pastoso que o tempo e a via não tinha tido tempo de endurecer. Gostaria que fosse um Bertone 105...Era para ser um 156 ou um 916 GTV, foi um 147 1.6 Twin Spark. Porque os outros estavam a meio e fim de vida... que escolha pífia. Mas foi o que foi, que ficou e há-de ser velho na garagem em que entrou. Pela bandeira da Lombardia e pelo biscione. Por ser o primeiro. Por ser sonho, tempo e espaço de uma vida. Os jovens namorados de ânimo piroso têm borboletas no estômago. Eu tinha a "dança dos pássaros"!
Impante e movido de encanto fintei o tempo, o emprego, a crise.
A distância dos que são próximos, a proximidade dos que distam, que distam sempre
De trabalhos de ocasião, de freelancer de arquitectura num país que a não tem e a não quer.
A 10 e mais litros aos 100, a 100 e mais km por hora, a 8 e mais segundos para os 100 e mais que dava...
E eram outros por mim, e eu por eles...
Se por eles passo tantas vezes...
No tempo que lhes sobra e a mim me falta
Privados de si, furtados de alma
Largados ao tempo no mais ténue embaraço
Em maços de histórias, de prosas antigas
mais jovens que eles, idosas entanto
de horas remotas, que em tempos um dia
por vezes felizes
por outras nem tanto
se foram largando, (quem sabe em pranto)
à sombra e ao vento
de dias que passam e lhes levam alento.
Naquilo que deixo
Na moeda que largo,
solitária no bolso
ou outra qualquer que às vezes me lembro
Não passo por eles, sem sempre que sinta
A nudez escura que alma me despe
Ou a sóbria carência que ainda me reste
nos dias que sobram de um salvo egoísmo
que consome as horas de pretenso altruísmo
e faça de mim o mais reles dos pobres
que retira minutos às horas do dia
para salvar em si, remotas e nobres
as vidas que em outros pensava que via.
...sou pobre afinal!
(continua...)
Ecce Homo
... Boémia, partidas, chegadas. Trocar as noites pelos dias. Jurar os amigos, levá-los na vida. Exames (últimos), Trabalhos (últimos). Fim de estrada, de saída já para a saudade. Os valores nas pautas, o caminho estreito. Olho no futuro, canudo na mão. Portugal XXI cheio de dúvidas... dos poucos que ficam, dos muitos que partem, dos outros que partem mas ficam, e dos mais que ficam partindo. Olho de sal e mar em pranto. O Nuno parte... para Barcelona. Médico Dentista. O Zé para Turim... Engenheiro Mecânico. O Marco, o João, Marcelo... O Bruno, A Sónia, O Jota... Inglaterra, Dubai, Venezuela... Brasil, China, Estados Unidos, o que é isto??!! Há dias atrás seriamos crianças, de boneca na mão e bola no pé. Em cada uma de nossas casas havia emprego para a vida, os país aqui e os amigos tão aqui quanto eles. Os géneros ali ao lado em mercearias pequenas, os espaços de bairro e as intimidades avulsas. O jornal do pai ao domingo, o telefone em cima de rendas sobre mesa de camilha, um televisor Grundig na sala, e um rádio a pilhas à janela de tantos para o relato da jornada... E a vida era assim e nada mais. Que mais até, se na verdade se tem tudo? Para anos depois vir a ter mais e na verdade nada se ter...
"O Nuno segue de abalada para a semana. Vamos fazer um jantar"
"O Zé vai a seguir, vamos fazer outro"
... e a mesa grande ficava pequena. O tilintar de copos e a vozearia forte mais fracos, mais fracos, mais fracos.
Vou também ou fico?
Fiquei.
Na mesa pequena dos poucos daqui. Por horas grande quando chegam todos, mas pequena nos dias de inverno e semanas de chuva, nas quartas-feiras comuns de um mês de Fevereiro depois do Carnaval no Rio.
Afundei enfim na satisfação material, porque ele chegou, se a vida era éter e o futuro incerto. Finalmente! Ecce Homo!
O meu Alfa Romeo! Cedido a pressões externas, de um espírito pastoso que o tempo e a via não tinha tido tempo de endurecer. Gostaria que fosse um Bertone 105...Era para ser um 156 ou um 916 GTV, foi um 147 1.6 Twin Spark. Porque os outros estavam a meio e fim de vida... que escolha pífia. Mas foi o que foi, que ficou e há-de ser velho na garagem em que entrou. Pela bandeira da Lombardia e pelo biscione. Por ser o primeiro. Por ser sonho, tempo e espaço de uma vida. Os jovens namorados de ânimo piroso têm borboletas no estômago. Eu tinha a "dança dos pássaros"!
Impante e movido de encanto fintei o tempo, o emprego, a crise.
A distância dos que são próximos, a proximidade dos que distam, que distam sempre
De trabalhos de ocasião, de freelancer de arquitectura num país que a não tem e a não quer.
A 10 e mais litros aos 100, a 100 e mais km por hora, a 8 e mais segundos para os 100 e mais que dava...
E eram outros por mim, e eu por eles...
Se por eles passo tantas vezes...
No tempo que lhes sobra e a mim me falta
Privados de si, furtados de alma
Largados ao tempo no mais ténue embaraço
Em maços de histórias, de prosas antigas
mais jovens que eles, idosas entanto
de horas remotas, que em tempos um dia
por vezes felizes
por outras nem tanto
se foram largando, (quem sabe em pranto)
à sombra e ao vento
de dias que passam e lhes levam alento.
Naquilo que deixo
Na moeda que largo,
solitária no bolso
ou outra qualquer que às vezes me lembro
Não passo por eles, sem sempre que sinta
A nudez escura que alma me despe
Ou a sóbria carência que ainda me reste
nos dias que sobram de um salvo egoísmo
que consome as horas de pretenso altruísmo
e faça de mim o mais reles dos pobres
que retira minutos às horas do dia
para salvar em si, remotas e nobres
as vidas que em outros pensava que via.
...sou pobre afinal!
(continua...)
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