Tenho estado a assistir a esta discussão que pretende comparar os Ford Escort aos BMW série 02. Tal como já muitos aqui disseram, não acho que seja uma comparação correcta pois são carros de nichos de mercado diferentes.
Faria mais sentido comparar os Ford Escort com os Datsun ou os Toyota Corolla da mesma gama, ficando os BMW 02 melhor comparados com os Ford Capri ou Cortina com uma gama de motores mais aproximada... A corroborar esta opinião está a dificuldade em efectuar,
aqui e agora, um comparativo entre carros de um e outro modelo. É um facto!
E agora vou lançar mais umas “achas para a fogueira” no que diz respeito à História nos nossos clássicos dos anos sessenta e setenta, nos quais estão, naturalmente, os Ford Escort e os BMW 02.
É verdade que a realidade Portuguesa tem algumas “nuances” que contribuem para esta situação. Temos que recuar até 1963 para a enquadrar, mais concretamente à então denominada «
Lei da Montagem» que era como foi conhecido o Decreto-Lei n.º 44778 publicado naquele ano.
A «
Lei da Montagem» expressou a orientação política do Estado Novo para o desenvolvimento da indústria automóvel no País, impondo a montagem de veículos destinados ao mercado doméstico e restringindo as importações de veículos CPU (
completely built up).
Assim, a partir de
1 de Janeiro de 1964, cada fabricante internacional só podia importar anualmente
75 veículos de passageiros já construídos
, permitindo acima deste limite a importação de automóveis em CKD (
completely knock down) por forma a que a taxa de incorporação de trabalho nacional não fosse inferior a 15% do custo da viatura completa. Os veículos comerciais só podiam ser importados em CKD com a mesma taxa de incorporação nacional dos veículos de passageiros. A excepção a estas regras de importação era apenas concedida aos automóveis com características especiais.
No que diz respeito à incorporação de componentes de produção nacional, foram concedidas isenções de direitos aduaneiros em matérias-primas de forma a incentivar (embora indirectamente) o desenvolvimento das indústrias subsidiárias. Estes descontos funcionavam como subsídios directos às empresas de montagem, sem, no entanto, influenciar o preço de venda dos veículos ao público.
(Abrindo um parêntesis para voltar à discussão Ford Escort vs. BMW 02, refira-se que a
GM – General Motors instalou as linhas de montagem Opel e, um pouco mais tarde, Ford na sua nova fábrica da
Azambuja construída para o efeito, que começou a laborar em 1964, e a
Sociedade Comercial e Industrial de Automóveis “Francisco Baptista Russo & Irmão” montou, em 1968, a linha de montagem dos BMW 1600 e 2002 na sua fábrica de
Vendas Novas, que já desde 1963 eram montados veículos pesados
MAN,
Saviem e
Atkinson. E fecha parêntesis
).
Este quadro legal manteve-se praticamente sem alterações até
1972, salientando-se apenas os seguintes:
- Autorização, a partir de 1968, de importação suplementar de mais 75 veículos CPU (por marca) provenientes de países membros da EFTA (European Free Trade Association) –
não era o caso da FORD nem da BMW;
- Aumento da taxa de incorporação nacional obrigatória para 25% do valor de cada veículo a partir de 1969.
Assinala-se que datam desta altura as primeiras iniciativas no campo de produção de componentes para “primeiro equipamento”, salientando-se os exemplos da
COVINA (
Companhia Vidreira Nacional, onde, na sua fábrica de Sacavém, se produziu pela primeira vez vidro laminado curvo
) e da
MOLAFLEX e suas afiliadas (no caso da produção de estofos, assentos e outros componentes para os interiores). Também diversos construtores de pneumáticos estabeleceram as suas fábricas para produção de pneus preferencialmente escolhidos para os veículos montados em Portugal. O mesmo se poderá dizer relativamente à produção de baterias.
Devido à ineficácia produtiva das linhas de montagem face aos compromissos que entretanto o Governo tencionava cumprir, o enquadramento legal para o sector foi alterado em 1972 da seguinte forma:
- A importação de veículos CPU passa a não exceder os
2% dos veículos da mesma marca montados no ano transacto;
- Para as marcas sem linhas de montagem nacionais, foram autorizadas importações de
15 unidades de passageiros (
a importação de veículos comerciais continuou proibida, com excepção dos veículos especiais não disponíveis no País);
- Foram fixadas percentagens mínimas obrigatórias de incorporação de componentes nacionais nos veículos CKD, os quais beneficiavam de reduções aduaneiras proporcionais a essas percentagens. Estas reduções poderiam ir até ao regime livre para os industriais que durante 2 anos consecutivos incorporassem mais de
60% de componentes nacionais nos veículos CKD de todas as marcas importadas (duvido que algum industrial tivesse conseguido este feito nos CKD de passageiros...
);
- As taxas de incorporação nacional passaram a ser calculadas a partir do valor das peças e componentes adquiridos à Indústria Nacional, excluindo tintas e outros materiais secundários.
As taxas mínimas exigidas até 1979 eram de 25% para veículos de passageiros e de 20% para os comerciais;
- A importação de veículos CKD passou a ser possível apenas para os industriais de montagem.
E quanto a legislação, penso que chega para dar uma ideia da situação vivida em Portugal nas décadas de sessenta e setenta do século XX (tchii… dito assim até parece que foi há muito tempoooo).
Naturalmente que nas linhas de montagem portuguesas foram construídos os veículos de maior consumo de cada marca, com as motorizações mais correntes e acessíveis.
No que diz respeito aos
Ford Escort, compreende-se assim porque foram as versões MkI 1100, 1300 e 1300 GT-HC montadas na fábrica da Azambuja entre 1968 e 1975, ficando as versões de cilindrada superior potencialmente incluídas no conjunto de 75 Ford de todos os modelos importados anualmente, a um preço claramente superior aos modelos nacionais muito mais acessíveis. É por isso que hoje, as versões especiais originais… nem vê-las!
Já no que diz respeito às versões MkII a realidade poderá ter sido um pouco diferente na segunda metade da década de setenta, embora não disponha de dados para a poder comentar…
O mesmo se pode dizer dos
BMW série 02, cujas versões 1600 (mais tarde 1602) e 2002 conheceram um êxito assinalável entre 1968 e 1975 face ao compromisso preço / qualidade, extensível também aos 1502 produzidos entre 1975 e 1977 na mesma linha de montagem da fábrica de Vendas Novas, que totalizou cerca de doze mil e setecentas unidades CKD.
2002ti / 2002tii só por encomenda nos 75 BMW que a “
Francisco Baptista Russo & Irmão” podia importar anualmente… Embora mais caros, penso que terá sido satisfeita a procura destes modelos especiais na maioria dos anos de comercialização. Ainda estou para saber se existe em Portugal algum 2002turbo que tenha sido comercializado originalmente pela “
Francisco Baptista Russo & Irmão” em 1974 (
único ano de produção). Já vi o folheto em português mas ainda não vi nenhum que não tenha sido trazido de fora…!
Em minha opinião, julgo que terão sido importados e comercializados em Portugal mais BMW 2002ti e 2002tii do que os Ford Escort RS1600, RS2000.
Não estou aqui a contabilizar os que foram trazidos posteriormente do estrangeiro.
No capítulo das corridas, as vitórias dos apimentados Escort ajudou a vender bem este modelo da Ford… mas de cilindradas mais baixas do que os que de facto corriam.
O mesmo se passou com os BMW, embora a diferença entre as versões de turismo e as de corrida não fosse tão “abissal” como nos Ford.
Actualmente, por vezes vêem-se nos eventos de clássicos realizados em diversoa pontos do País réplicas dos Ford Escort Mk1 RS2000 ou MkII RS1800 a partir de chassis que foram originalmente dos 1100 ou 1300 montados em Portugal… Estas transformações são profundas pois o “
antes” e o “
depois” pouco têm a ver; têm o seu mérito, mas
não são os originais!
Também é comum ver 2002 que, com mais ou menos ligeiras intervenções, foram “
adaptados” a 2002ti. As intervenções podem ser tão discretas que, de capô fechado, pouco há para os distinguir da versão de base. Também os 1600 / 1602 podem passar por 2002ti que só os mais perspicazes descobrem a alteração.
E no fim deste relambório todo, o que temos?
Talvez umas largas dezenas de BMW 02 das versões montadas em Portugal (1600 / 1602, 2002 e 1502) ainda circulem diariamente em Portugal, em estado próximo do original ou seja, sem grandes alterações.
Se a estes juntarmos todos os outros que ainda existem, quer estejam restaurados em colecções privadas ou apimentados para correr, ou simplesmente como "
carro de família" ou "
clássico" para participar nos respectivos eventos, posso afirmar que talvez tenhamos perto de meio milhar de 02 em estado funcional no País!
Eu cá vou dando a minha pequena contribuição...
e já a dei na votação em curso.
E quanto aos Ford Escorts MkI e MkII?
Tenho visto bastantes em concentrações de clássicos, em estado irrepreensível e mesmo até espectacular. Réplicas? Muitas e algumas de fazer inveja às versões originais...
Bastantes Escorts vindos de fora do País depois da sua fabricação ter terminado. E os outros Escorts nacionais, que é deles? Conheço alguns parados aqui e ali...
Se alguém me souber informar onde é que os outros param...
D