Capítulo XIX
O Elefante Branco teve um AVC.
Embora não tenha feito alarde disso aqui no portal, o bichinho tem dado uns passeios ao domingo, apenas umas voltinhas aqui pela cidade, de vez em quando. Apenas para ter a certeza que ainda mexe, uma espécie de hidroginástica para Elefantes Brancos. Beber um cafezinho, fazer uma compra ou outra, enfim, apenas esticar as pernas, nada merecedor de um capítulo nesta epopeia. E nem sequer são passeios frequentes, é só quando o rei faz anos. Nenhuma viagem de monta, nem competição desportiva de renome.
Ora acontece que cada vez que o ponho a trabalhar, faz uma fita medonha, não quer pegar, engasga-se, vira-se para o outro lado e deixa-se ficar. É preciso insistir diversas vezes até que se resolva a trabalhar. Tal carro tal dono, comigo sucede o mesmo sempre que oiço falar em trabalho. Até já estava habituado a este protocolo e nem o estranho. Vou sempre 10 minutos mais cedo para o cumprir. Todavia, num belo dia em que não precisava de ir a lado nenhum, aí pela 4ª vez que dei à chave, o motor de arranque não parou de trabalhar. Apenas o motor de arranque, o carro não pegou. Apanhei um susto, tal a barulheira, parecia que estava a esfolar um gato, e desliguei imediatamente a chave. Continuou. Tirei a chave, e não parou. Tornei a pôr, dei à chave, tornei a tirar e aquele arranhar medonho continuava. Enfim, lá me resolvi a abrir o capot e desligar a bateria, o que ainda demorou um bocado, pois tive que procurar uma chave para desapertar os parafusos da bateria. Mas calou-se. Desligando a bateria, não fazia barulho nenhum. Fiquei muito contente. Fazendo uso dos meus conhecimentos de informática, lembrei-me que em 80% dos casos, desligar e tornar a ligar um computador resolve os problemas gravíssimos de que frequentemente padecem, e resolvi aplicar esta técnica ao Ford Cortina. Liguei cuidadosamaente um borne, depois o outro, e PUM!, deu um estalo que me tirou 4 anos de vida, com o susto. Juntamente com o estalo, uma faísca forte e um fumozinho azul. Tal como acontece às vezes no computador. Achei estranho, mas supus que tivesse sido um mau contacto, portanto tentei de novo. Outro estalo, outra faísca, e mais fumo. Sentei-me um bocadinho a respirar fundo e a regularizar o ritmo cardíaco, e depois fui ver se haveria algum fio encostado a qualquer sítio suspeito. Não vi nenhum, por isso tornei a tentar. Estalo, faísca, fumo. Por esta ordem. Já começava a achar graça aquilo, fazia-me lembrar o carnaval. Aquilo a que não achei graça foi a ter o carro outra vez avariado. Andei de volta dele um bocado, a fazer contas à vida e sem saber muito bem o que fazer, mas na realidade não havia muito a fazer: fui consultar o Sr. Dr.. Mostrou-se algo agastado, mas não completamente surpreendido. Pelos vistos já lhe tinha feito uma vez uma parte semelhante, quando ainda estava internado, mas como nunca mais sucedeu, deixou rolar. Sugeriu que empurrasse gentilmente o carro para trás e para a frente, com uma mudança engrenada, para tentar soltar fosse o que fosse que tinha ficado preso (ele deu-lhe um nome, mas não era nenhum daqueles que eu já tinha chamado ao bicho, entretanto esqueci-o).
No dia seguinte lá fui eu experimentar a receita. Fiz-me acompanhar de um amigo que é praticamente mecânico, acho que uma vez mudou o óleo ao carro dele, o que o põe numa categoria muitos furos acima da minha, e levei a cabo a experiência sugerida. Andei com o carro para dentro e fora da garagem umas poucas de vezes, já parecia o Quim Barreiros, até achar que já chegava. Embora não tivesse notado qualquer alteração, lá liguei um borne, depois o outro, e... Estalo, faísca, fumo. Não fiquei nada animado. Entretanto o meu amigo ia olhando para dentro do motor, com ar de entendido, fazendo notar que aquilo ali era o motor de arranque, e outros comentários técnicos, e reparando que um fio que ligava a uma coisa que nem ele nem eu sabemos para que serve estava mal apertado. Como mecânico experimentado, agarrou imediatamente numa chave de fendas e num alicate, e apertou devidamente o fio. Depois virou-se para mim com ar confiante e disse-me para experimentar de novo. Agarrei no cabo, cheguei-o ao borne da bateria e... nada aconteceu. Olá! Nem estalo nem faísca nem fumo? Ele ficou todo inchado com a reparação, mas eu fiquei convencido que tinha dado cabo da bateria de uma vez por todas. Pelo sim pelo não, sentei-me atrás do volante, dei à chave e ele arrancou suavemente à primeira! Nem se engasgou, nem soluçou, nem se fez rogado. Parecia um carro novo. Já nem pensei duas vezes: tirei-o imediatamente da garagem, desta vez sem ser de empurrão e fomos imediatamente dar o passeio que estava agendado para 2 dias antes. Parámos diversas vezes, e de todas elas voltou a arrancar com muita prontidão e boa vontade. Fiquei tão contente que até lhe meti gasolina, com aditivo e tudo. Aliás, foi tal o entusiasmo, que quando fui fazer contas à quantidade de aditivo que tinha que adicionar, olhei para os euros em vez de olhar para os litros e exagerei no aditivo. Espero que não lhe dê cólicas.
E pronto, já rola de novo. Veremos por quanto tempo. Não deve ser muito, porque continua a verter líquidos de diversos sítios, e antes que se esgotem dentro de algum sistema que faça falta, é provavelmente melhor que seja verificado. Pelo sim pelo não, vou apertar os fios todos que encontrar, para ver se deixa de verter óleos.