Bom, tal como tinha "prometido", aqui vai o meu apanhado de toda a informação que recolhi acerca dos ALBA. Vai ser uma postagem algo longa mas espero sinceramente que valha a pena. Peço a todos os que estejam interessados e que estejam dentro do assunto (nomeadamente o Francisco Lemos Ferreira e o Manuel Ferreira Dinis...
) que por favor façam a revisão do texto, indicando o que está correcto... mas especialmente o que não está!
De seguida colocarei uma série de questões que não consegui esclarecer, a ver se alguém está mais dentro disto do que eu.
Cumprimentos.
Durante os anos 50 deu-se o aparecimento de vários pequenos fabricantes de automóveis com o intuito de participar nas provas organizadas pelo ACP e que eram muito populares então. Um dos nascidos nesse “movimento” foi o ALBA, criação de António Augusto Martins Pereira, filho do proprietário da metalurgia ALBA, em Albergaria-a-Velha.
A ALBA é a designação pela qual era conhecida a empresa criada em 1921 inicialmente chamada de Fundição Lisbonense, posteriormente alterada para Fundição Albergariense, e assumindo em 1923 o nome do seu fundador Augusto Martins Pereira, nascido em 1885 em Sever do Vouga. Utilizando um símbolo desenvolvido por Daniel Constant, a empresa tornou-se conhecida em todo o país e nas colónias por ALBA, as três primeiras letras e a ultima da palavra Albergaria. A ALBA foi mais tarde adquirida pelo grupo português DURIT e recentemente foi veiculada a informação de que parte da fábrica ALBA (actual METALFA
iria ser desactivada (deslocalizada), sendo transferida para as instalações da FUSAG (em Águeda) adquiridas pelo grupo por “constrangimentos legais e urbanos impedem a fundição Alba de continuar a laborar onde está localizada”.
O primeiro Alba foi concebido por António Augusto de Lemos Martins Pereira e construído em 1952 na fábrica ALBA com a ajuda de Ângelo de Oliveira e Costa, de Albergaria (tinha uma oficina de reparação de carros “artilhados” no Porto, o que ajudou no desenvolvimento do carro) e Francisco Corte Real Pereira (como exímio piloto e mecânico), bem como de toda uma equipa de engenheiros, fundidores, carpinteiros e técnicos “residentes” na fábrica ALBA. Segundo António Pereira, não era de seu intuito ser um construtor de automóveis. Como entusiasta automóvel e fascinado com os nossos FAP e D.M., decidiu que iria também fazer um carro seu. Tendo em conta que tinha por trás a fábrica metalúrgica mais avançada e com recursos da época, logo iniciou o projecto. O ALBA foi então baseado no chassis dum Fiat 508 C 1100 (mais especificamente o 508-C-229808) fortemente modificado, de longarinas com travessas de reforço, cuja parte traseira foi cortada e invertida, a fim de reduzir o centro de gravidade do veículo. Esta não foi a única modificação feita ao chassis. Também uma armação tubular foi construída para colocar a carroçaria em alumínio estampado à mão (feita por um chapeiro do Porto, Sr. José, contratado por António Martins Pereira exclusivamente para fazer a carroçaria do ALBA durante o horário de serviço) e a própria suspensão dianteira foi reconstruída propositadamente para o ALBA, inspirada na suspensão Gregoire da época, com novo triângulo superior e molas helicoidais específicas, de forma a reduzir o peso do conjunto. Já a alma da máquina consistia no motor Fiat 1089cc que o 508 C trazia originalmente mas fortemente modificado a fim de melhorar as performances (novas árvores de cames de competição, válvulas especiais e mola interior das válvulas instaladas directamente sobre as touches são só alguns exemplos das alterações introduzidas), produzindo assim por volta de 70cv. No entanto, embora a potência possa parecer algo pouca, era mais que suficiente para mover os pouco mais de 500kg do ALBA com celeridade até aos 180km/h, tanto que a caixa de velocidades Fiat, de 4 velocidades (sincronizada apenas na 3ª e na 4ª velocidades), recebeu também relações novas, mais longas, já que tinha apenas metade do peso para puxar (quando comparado com os 1100kg do Fiat 508 C original) e mais potência à disposição. A sua carroçaria tipo barchetta de estilo quase italiano pintada de cor clara e com as riscas longitudinais amarela e azuis tornavam-no inconfundível. Após este primeiro carro, seguiu-se um segundo com estilo e características semelhantes (o vermelho a que chamarei doravante Alba 1100, matrícula TN-10-82)), e mais dois, sendo um deles o chamado Alba LN, construído para Francisco Formigal Luzes mas cujas modificações no motor foram feitas pelo destinatário. António Augusto Pereira refere ainda a existência de uma carroçaria ALBA feita para um D.M. Destes, os dois primeiros tinham chassis “Alba” (Fiat fortemente modificado, mais largo e baixo), enquanto os restantes eram só adaptados de Fiat, pois tinham distância entre-eixos menor.
Embora os ALBA fossem concebidos apenas com a competição automóvel em vista, isso não impediu que fossem homologados pela DGV para uso nas estradas públicas (também não nos esqueçamos que nesta época os pilotos conduziam os carros até às provas…), tanto que todas as unidades tiveram que ter essa aprovação (assinados por um Engenheiro Mecânico e após um exame de homologação).
O facto de o uso dos motores 1100cc ser recorrente nessa época em carros deste género prendia-se com o facto de o ACP ter uma categoria específica de Sport para carros com cilindradas de 750cc até 1100cc, bastante concorrida pelos baixos custos inerentes quando comparados com a categoria máxima. O ALBA fazia portanto parte desse grupo e não é de admirar que na estreia, no Circuito de Vila do Conde em 1952, Francisco Corte Real Pereira (corrida na qual o 2º ALBA foi inscrito mas não chegou a participar) o levasse ao segundo lugar da classificação final da categoria e, no ano seguinte, a primeira vitória no Circuito Internacional do Porto, na corrida reservada à classe 1100 e um segundo lugar em Monsanto. A prova do ACP I Taça Cidade do Porto de 1953 foi de 148,180km, divididos em 20 voltas à pista, cujo perímetro era de 7.407m, e contou com nada mais que 8 pilotos portugueses em 13 inscritos. O ALBA de Corte Real Pereira ainda teve um curioso despique com Abílio Barros, em FAP mas a partir da segunda volta o ALBA “foi-se embora”, vencendo à média de 119,207km/h!
Já o seu proprietário participa principalmente em provas de regularidade e em ralis (uma vez que havia prometido ao seu avô não conduzir em provas de velocidade pois este tinha medo que o neto se magoasse), com varias vitórias à classe. Por exemplo, em 1954 participa no Rali da Montanha e no Rali “A Mundial” e em Agosto de 1955, no Rali a Guimarães.
Em 1954, o ACP modificou os regulamentos e a classe passou a ter o limite nos 1500cc. Isto abriu a porta à entrada de uma série de adversários de marcas estrangeiras, nomeadamente a Porsche e Denzel. E António Augusto Pereira, “farto” de ser ultrapassado pelos Porsche, decidiu colocar um motor 1500cc no primeiro Alba (que chamarei de ALBA 1500, matrícula OT-10-54). Inicialmente, contactou a Maserati para a aquisição de uma unidade italiana mas após lhe terem pedido 89.000$00 por um motor, este respondeu: “Por esse preço sou capaz, eu mesmo, de fazer um novo!”
Como era leitor assíduo de publicações técnicas de mecânica, iniciou então a planificação daquele que, até à data, é possivelmente o único motor de concepção e produção nacional para um veículo automóvel. O ALBA 1500 era um motor bastante moderno para a época, um 4 cilindros em linha de 1490cc com bloco e cabeça fundidos em alumínio (que, afinal de contas, era a especialidade da fábrica ALBA...), dupla árvore de cames em “V” à cabeça, comandadas por carretos, nas quais eram instalados na extremidade os dois distribuidores (“alimentados” por duas bobines) que “acendiam” duas velas por cilindro. Estes distribuidores Bosch foram fabricados propositadamente para o ALBA, o que “obrigou” um técnico da marca a deslocar-se a Portugal para verificar "in loco" o motor e as necessidades dos técnicos. O motor, tal como os contemporâneos Maserati e Gordini de cilindrada semelhante, era quadrado (diâmetro e curso de 78mm) e tinha uma cabeça tipo “cross-flow” de elevada eficiência que, alimentado por dois carburadores Solex 36 duplos laterais, produzia cerca de 100cv de potência, que permitia ao Alba 1500 atingir os 200km/h e assim bater os Porsche que “irritavam” António Augusto Pereira.
Um evento curioso ocorreu aquando de a equipa ter concluído a montagem do motor ALBA 1500. Uma vez que não tinham banco de ensaios, a forma que arranjaram foi montar o motor numa armação metálica numa sala e ligá-lo a um motor de arranque. Esse, no entanto, era muito especial: consistia num motor eléctrico ligado ao motor por meio duma correia que guiava um tacho com uns parafusos encostados contra o volante! Assim que ligaram o motor eléctrico, o ALBA 1500 arrancou, segundo as palavras de António Augusto Pereira, “com um barulho agradável” mas não tardou que começasse a soar um ruído metálico muito estranho. Isso fez com que toda a gente em redor fugisse com receio que ser o início e o fim da vida do ALBA 1500 mas afinal o ruído tratava-se... dum dos parafusos do tacho que se tinha desapertado! Quando o tacho saltou, o motor voltou a fazer um som agradável, “nem parecia um motor de explosão, soava mais a um dínamo!” Foi motivo de celebração com direito a champanhe e tudo! A ALBA ainda fundiu mais um bloco mas ficou por aí. O que rodou nesse dia continua a ser único.
Houve no entanto um receio que assaltou António Pereira acerca do motor ALBA 1500: embora se tratasse duma unidade muito equilibrada (a perfeita equilibragem propositada de todas as peças do motor ajudava à quase inexistência de vibrações de funcionamento), a taxa de compressão era muito elevada, o que poderia levar a danos irreversíveis quando em provas de velocidade. Como tal, procedeu-se à redução da cabeça dos pistões a fim de resolver essa situação, embora trouxesse uma inevitável perda de potência ao motor, que mesmo cifrando-se nos 90cv viria a verificar-se ser mais que suficiente para bater a concorrência.
Até o ALBA 1500 entrar em competição, o ALBA 1100 conduzido por Corte Real Pereira recebeu um motor Peugeot (proveniente dum 203) cuja cilindrada de 1290cc foi ampliada para 1325cc, com o qual participou no Circuito da Boavista em 1955 e 1956 mas não tinha andamento sequer para o Fiat que anteriormente montava (chegava a ser menos potente que este...), quanto mais para o ALBA 1500...
A estreia do Alba 1500 no entanto não foi das mais felizes. Sem pistas de testes, cronometragens manuais (e só normalmente feitas nos testes para as provas de velocidade) e afinações “a dedo”, tanto o 1500 pilotado por António Augusto Pereira como o 1100 com motor Peugeot inscritos na II Taça Cidade do Porto não se conseguiram chegar sequer a classificar. Na III Taça Cidade do Porto em 1955 também não foram felizes pois embora inscritos não chegaram a participar. Mas a falta de sorte rapidamente acabaria, ganhando em Agosto de 1955 os dois Rallies de Guimarães (a estreia efectiva do ALBA 1500) e sendo vencedor absoluto do Rally do Vinho do Porto à Régua, ambos com António Augusto Pereira ao volante. Em 1958, em Vila Real, Corte Real Pereira no 1100 (que aqui já apresentava a carroçaria que actualmente traz, colocada neste por motivos desconhecidos) e António Augusto Pereira no Alba 1500, abandonam ao fim de duas voltas, à média de 93,970km/h. Já as provas de velocidade, logicamente, não eram efectuadas pelo proprietário. Aí, chegou a conduzir o ALBA 1500 o Januário Capela, o João Manuel Nunes dos Santos e um outro piloto de Coimbra cujo nome o Sr. António Augusto Pereira não se conseguiu recordar aquando da entrevista, por exemplo, em Monsanto, enquanto o ALBA 1100 era tripulado por “Constantino” ou Castro Lima. A última prova de que há memória os ALBA participarem foi em 1961, no Rally do Salgueiros, onde obteve a terceira posição absoluta, com Corte Real Pereira ao volante. Já um dos outros ALBA ficaria pelo caminho mais cedo quando numa corrida em Vila Real ficou acidentado e se perdeu totalmente num incêndio.
O destino dos ALBA foi, no entanto, bastante distinto entre si. Enquanto o ALBA 1500 se manteve na posse de António Augusto Pereira (que ainda o possui), o Alba 1100 e o restante sobrevivente desapareceram sem deixar rasto. Infelizmente, a sorte do ALBA “twin cam” não foi a melhor: foram-lhe roubados os distribuidores um dos carburadores e metade do outro (?!). Dado que os primeiros foram feitos por medida, não puderam mais ser substituídos e forçaram a trocar esta peça de arte automóvel por um mais comum Simca de 1089cc, com dois carburadores Zenith 36 DI e também ele trabalhado no sentido de melhorar as performances. É este o motor que hoje em dia ainda anima o carro de António Augusto Pereira. Em 2006 o dono concedeu-o então ao Museu do Caramulo que desde então tem vindo a proceder ao seu “restauro”, havendo ainda a possibilidade de no futuro se voltar a operacionalizar o motor ALBA 1500 para o devolver ao veículo.
Já o ALBA 1100 esteve “desaparecido” até por volta de 1976 reaparecer à venda num stand de automóveis usados na Av. Álvares Cabral, em frente ao Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, tendo sido segundo o vendedor, propriedade do Conde de Monte Real. Apesar de não estar restaurado e não trabalhar há bastante tempo, apresentava-se em bom estado de conservação e a única peça danificada era o volante que estava partido, faltando a parte superior do aro. O preço de venda era 30 contos. Ele foi então comprado por um senhor de Lisboa que o passou ao actual proprietário em troca… de um quadro! O dono, um ex-oficial do Exército residente na Costa do Estoril, procedeu então a um extraordinário restauro da última carroçaria que foi “vestida” no Alba 1100, trocando no entanto o motor Peugeot 1300cc "preguiçoso" por um Fiat 1089cc como originalmente havia sido montado nesta unidade, só que mais "civilizado". Este voltou a ser mostrado ao público, após tantos anos de “desaparecimento” no II Salão Automóvel Antigo - Contemporâneo da Moita, entre 31 de Outubro e 4 de Novembro de 2001.
Do último ALBA desconhece-se ainda o paradeiro.