Guardo boas memórias destas Allan.
Os meus avós paternos gostavam de fazer as suas compritas semanais na feira que se realizava (e ainda realiza) todas as quartas-feiras no largo do Mercado Municipal de Miranda do Corvo. Eu lá ia com eles, e mais tarde só com a minha avó, sentado à janela naqueles bancos de napa castanhos. Os bilhetes eram adquiridos na estação, pequenos, num material tipo cartão, avermelhados e inevitavelmente picados pelo revisor. Certamente ainda estarão guardados lá por casa alguns exemplares. Da moldura envidraçada via tudo e mais alguma coisa desde as fazendas amanhadas, ao rio Dueça que serpenteava o Ramal da Lousã, aos apeadeiros e estações entre Ceira e Miranda (que ainda hoje sei de cor o seu nome), ao número de túneis e pontes que encontrávamos até ao nosso destino. Comia o meu pãozinho com marmelada, doce de tomate ou manteiga que a minha avó carinhosamente me levava enquanto qualquer acção lá fora me prendia o olhar e eu era chamado a atenção para não me sujar. Muitas vezes quase que a automotora entrava em casa das pessoas tal a proximidade entre o caminho-de-ferro e as propriedades. Existia todo um ritual em dia de feira que é difícil transmitir por palavras. Desde os cheiros, aos pregões das peixeiras nas suas bancas, ao amolador, o homem das cautelas, os feirantes, o Grémio, a confusão de pessoas, o pão quente da padaria, a fruta colhidas das árvores do quintal, as hortaliças fresquinhas, o cebolo, horto, couve prontas a semear, o cutelo a bater na tábua até às louças de barro no centro do mercado e tantas outras situações e recortes que me ficaram gravados para sempre. Não só no local como no próprio meio de transporte.
A robustez exigida pelo traçado do ramal estava garantida com a imponência das 0300. Não só pela constituição física da mesma, como também, pelas cores usadas. Recordo-me bem daquele sinal sonoro na chegadas às passagens de nível e daquele farol enorme quando se acendia à noite. Impunham respeito!
Isso foi-se perdendo, tornando-se algo impessoal, mais tarde, quando vieram as Allan 0350 e, por último, as 0458. Chegavam a ser "secas" demais para a simplicidade que se pedia. É claro que toda esta envolvência acabou definitivamente quando o trânsito ferroviário foi interrompido, em 2009, e a linha centenária levantada. Mas isso são outros quinhentos que davam pano para mangas. Infelizmente saiu prejudicada toda a população entre Serpins e Coimbra.