As Viaturas "vz" "vu" "uz" "zo" "ze"

Tiago Baptista

Portalista
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Ali repousava ele naquela que, porventura, será uma das menos compridas ruas do lugar. Não era daqueles modelos que sempre povoaram a minha memória. Por ser incomum nesta versão de carroçaria; por só me lembrar dele a partir de da minha adolescência. Talvez por ter estado coberto, resguardado, por ter sido guardado noutro local e transportado para ali, não sei. Aquilo que tenho bem vivo é a trupe que o acompanhava e que tinha um denominador comum: o mesmo proprietário. Uma Bedford SETA, um Renault 21 Bicorpo e um trator ligeiro. Sonhei em tê-lo como primeiro carro. Fiz várias viagens imaginárias sentado (sem nunca nele ter entrado) atrás daquele fino volante. Era diferente de tudo o resto. Para mim, a mais elegante carroçaria do Datsun 1200. Talvez se tivesse realizado uma proposta - julgo que não se encontrava para venda mas tentar não custava - ele pudesse ser meu. Quanto mais não fosse pela relativa facilidade com que o hipotético negócio pudesse avançar pelas relações de amizade entre o proprietário e o meu Pai (para além da restante família).

Datsun 1200 Coupé (1).png Datsun 1200 Coupé (2).png Datsun 1200 Coupé (3).png

Porém a vida não proporcionou o cruzamento dos nossos caminhos. Não só pelas condições financeiras como pelo receio da surpresa que pudesse dali sair. Naquela altura um restauro, por muito pequeno que fosse, estava fora de questão. Bom, ficou uma fotografia tirada no terreno do lado de oposto da estrada num momento provisório de estacionamento.

Datsun 1200 Coupé (4).jpg

O tempo passou e eu não mais o voltaria a ver. Nem sequer o dono para o interrogar. A vida ocupou-me com outras tarefas. E, certamente, do outro lado igual. Julguei que tivesse desaparecido para sempre juntamente com os amigos de quatro rodas.

Mas, como as fases da lua, numa altura de novidade no que ao significado de confinamento nos dizia respeito, deparo-me com um anúncio de um Datsun 1200 Coupe localizado em Miranda do Corvo, numa das várias pesquisas realizadas para manter alguma da sanidade que o momento exigia. Matricula visível, foto por foto analisada, muitas alterações e uma pesquisa na imagem atrás publicada e chego à feliz conclusão que era o mesmo clássico que tenha visto há uma década. Impossível, pensei eu!

Datsun 1200 Coupé (5).jpg



Mais uma vez lamentei a minha triste sina por não ser (ainda) desta que ele viria a morar no quentinho da minha garagem.

Como a normalidade foi sendo reposta aos poucos também as rotinas voltaram. Numa dessas ocasiões de regresso à vida que outrora fora repentinamente suspensa, e no âmbito de uma assembleia de freguesia onde se debateu, entre outros, o assunto da compra de uma carrinha, o nome Isuzu foi colocado em cima da mesa. E, instantaneamente, ao ouvir o pronunciamento daquela marca, eu sentadinho no meu lugar, não consegui impedir o meu raciocino de cavalgar a trote até ao Datsun. Mas porque raio está um assunto relacionado com o outro? Pois bem, a explicação é simples. Um dos elementos que compõe a dita assembleia era o dono do japonês. Fácil. Ouro sobre azul. Como ele tinha uma Bedford SETA, estas têm motor Isuzu e uma coisa leva à outra e tal...bom, estão a ver, certo? No final da sessão, questionei-o sobre a dita SETA mas o que queria saber mesmo, mas mesmo saber era do 1200. A carrinha já não a tem; o trator não sei (julgo que sim mas eu de tratores percebo tanto como de lagares de azeite); o R21 presumo que já viajou para outra vida; e o dito clássico fora vendido a um entusiasta que é entendido na matéria e lhe deu o carinho merecido. Contara-me que teve mágoa por se ter desfeito do carro mais ainda a sua filha que fora contra a venda. Contudo, o facto de não ter local para o guardar e o avanço das condições de degradação do mesmo, onde inclusive, teve direito a um banho de cimento dado pelo sogro, levaram a este desfecho. Menos mal, balbuciei. Não estava perto mas não tinha virado um cubo de chapa retorcida. Restava-me esperar por vê-lo um dia. Se esse dia chegasse, claro.

Poiares. Um calor infernal naquela tarde de Domingo do nono mês do ano. Por entre modelos da oval azul vejo aquela traseira vermelha lá ao fundo num stand. Um Datsun 1200 Coupe? Será? Aproximei-me, ignorando tudo o resto. Vi-o, analisei-o e comovi-me. Bolas, era mesmo ele. Tanto anos depois. Não pensei que num curto intervalo de tempo a história se desenrolasse tão rápido. Anúncio; conversa com o anterior responsável; reencontro. Tirei fotos. Umas boas outras más. As últimas já na despedida do evento. Vi o atual dono. Todavia algo me fez desviar a atenção e perder o rasto do senhor. Fica para a próxima a prosa. Permaneceu o Coupe e as fotos para vos mostrar e para arquivar. Regressei a casa de coração cheio. Podia ter sido o pior evento (não foi) de sempre mas eu já tinha ganho o dia.

Poyares Motorshow 2022 (102).jpg Poyares Motorshow 2022 (103).jpg Poyares Motorshow 2022 (106).jpg Foto8317.jpg

A pergunta é: será que um dia haverá final feliz? Pelo menos sei que foi salvo e não mora muito longe. Resta-me saber a sua vida nos últimos anos e partilha-la com o meu vizinho de aldeia. Vai gostar de sabê-la.

Não acredito em coincidências mas julgo que a nossa história não fica por aqui... ;)
 
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João Luís Soares

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Ali repousava ele naquela que, porventura, será uma das menos compridas ruas do lugar. Não era daqueles modelos que sempre povoaram a minha memória. Por ser incomum nesta versão de carroçaria; por só me lembrar dele a partir de da minha adolescência. Talvez por ter estado coberto, resguardado, por ter sido guardado noutro local e transportado para ali, não sei. Aquilo que tenho bem vivo é a trupe que o acompanhava e que tinha um denominador comum: o mesmo proprietário. Uma Bedford SETA, um Renault 21 Bicorpo e um trator ligeiro. Sonhei em tê-lo como primeiro carro. Fiz várias viagens imaginárias sentado (sem nunca nele ter entrado) atrás daquele fino volante. Era diferente de tudo o resto. Para mim, a mais elegante carroçaria do Datsun 1200. Talvez se tivesse realizado uma proposta - julgo que não se encontrava para venda mas tentar não custava - ele pudesse ser meu. Quanto mais não fosse pela relativa facilidade com que o hipotético negócio pudesse avançar pelas relações de amizade entre o proprietário e o meu Pai (para além da restante família).

Ver anexo 1258577 Ver anexo 1258578 Ver anexo 1258579

Porém a vida não proporcionou o cruzamento dos nossos caminhos. Não só pelas condições financeiras como pelo receio da surpresa que pudesse dali sair. Naquela altura um restauro, por muito pequeno que fosse, estava fora de questão. Bom, ficou uma fotografia tirada no terreno do lado de oposto da estrada num momento provisório de estacionamento.

Ver anexo 1258580

O tempo passou e eu não mais o voltaria a ver. Nem sequer o dono para o interrogar. A vida ocupou-me com outras tarefas. E, certamente, do outro lado igual. Julguei que tivesse desaparecido para sempre juntamente com os amigos de quatro rodas.

Mas, como as fases da lua, numa altura de novidade no que ao significado de confinamento nos dizia respeito, deparo-me com um anúncio de um Datsun 1200 Coupe localizado em Miranda do Corvo, numa das várias pesquisas realizadas para manter alguma da sanidade que o momento exigia. Matricula visível, foto por foto analisada, muitas alterações e uma pesquisa na imagem atrás publicada e chego à feliz conclusão que era o mesmo clássico que tenha visto há uma década. Impossível, pensei eu!

Ver anexo 1258581



Mais uma vez lamentei a minha triste sina por não ser (ainda) desta que ele viria a morar no quentinho da minha garagem.

Como a normalidade foi sendo reposta aos poucos também as rotinas voltaram. Numa dessas ocasiões de regresso à vida que outrora fora repentinamente suspensa, e no âmbito de uma assembleia de freguesia onde se debateu, entre outros, o assunto da compra de uma carrinha, o nome Isuzu foi colocado em cima da mesa. E, instantaneamente, ao ouvir o pronunciamento daquela marca, eu sentadinho no meu lugar, não consegui impedir o meu raciocino de cavalgar a trote até ao Datsun. Mas porque raio está um assunto relacionado com o outro? Pois bem, a explicação é simples. Um dos elementos que compõe a dita assembleia era o dono do japonês. Fácil. Ouro sobre azul. Como ele tinha uma Bedford SETA, estas têm motor Isuzu e uma coisa leva à outra e tal...bom, estão a ver, certo? No final da sessão, questionei-o sobre a dita SETA mas o que queria saber mesmo, mas mesmo saber era do 1200. A carrinha já não a tem; o trator não sei (julgo que sim mas eu de tratores percebo tanto como de lagares de azeite); o R21 presumo que já viajou para outra vida; e o dito clássico fora vendido a um entusiasta que é entendido na matéria e lhe deu o carinho merecido. Contara-me que teve mágoa por se ter desfeito do carro mais ainda a sua filha que fora contra a venda. Contudo, o facto de não ter local para o guardar e o avanço das condições de degradação do mesmo, onde inclusive, teve direito a um banho de cimento dado pelo sogro, levaram a este desfecho. Menos mal, balbuciei. Não estava perto mas não tinha virado um cubo de chapa retorcida. Restava-me esperar por vê-lo um dia. Se esse dia chegasse, claro.

Poiares. Um calor infernal naquela tarde de Domingo do nono mês do ano. Por entre modelos da oval azul vejo aquela traseira vermelha lá ao fundo num stand. Um Datsun 1200 Coupe? Será? Aproximei-me, ignorando tudo o resto. Vi-o, analisei-o e comovi-me. Bolas, era mesmo ele. Tanto anos depois. Não pensei que num curto intervalo de tempo a história se desenrolasse tão rápido. Anúncio; conversa com o anterior responsável; reencontro. Tirei fotos. Umas boas outras más. As últimas já na despedida do evento. Vi o atual dono. Todavia algo me fez desviar a atenção e perder o rasto do senhor. Fica para a próxima a prosa. Permaneceu o Coupe e as fotos para vos mostrar e para arquivar. Regressei a casa de coração cheio. Podia ter sido o pior evento (não foi) de sempre mas eu já tinha ganho o dia.

Ver anexo 1258582 Ver anexo 1258583 Ver anexo 1258584 Ver anexo 1258585

A pergunta é: será que um dia haverá final feliz? Pelo menos sei que foi salvo e não mora muito longe. Resta-me saber a sua vida nos últimos anos e partilha-la com o meu vizinho de aldeia. Vai gostar de sabê-la.

Não acredito em coincidências mas julgo que a nossa história não fica por aqui... ;)

Que belo texto!

Um dia voltas a este tema para dizer que o Datsun mudou para o teu nome?
 

Eduardo Correia

Portalista
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Ali repousava ele naquela que, porventura, será uma das menos compridas ruas do lugar. Não era daqueles modelos que sempre povoaram a minha memória. Por ser incomum nesta versão de carroçaria; por só me lembrar dele a partir de da minha adolescência. Talvez por ter estado coberto, resguardado, por ter sido guardado noutro local e transportado para ali, não sei. Aquilo que tenho bem vivo é a trupe que o acompanhava e que tinha um denominador comum: o mesmo proprietário. Uma Bedford SETA, um Renault 21 Bicorpo e um trator ligeiro. Sonhei em tê-lo como primeiro carro. Fiz várias viagens imaginárias sentado (sem nunca nele ter entrado) atrás daquele fino volante. Era diferente de tudo o resto. Para mim, a mais elegante carroçaria do Datsun 1200. Talvez se tivesse realizado uma proposta - julgo que não se encontrava para venda mas tentar não custava - ele pudesse ser meu. Quanto mais não fosse pela relativa facilidade com que o hipotético negócio pudesse avançar pelas relações de amizade entre o proprietário e o meu Pai (para além da restante família).

Ver anexo 1258577 Ver anexo 1258578 Ver anexo 1258579

Porém a vida não proporcionou o cruzamento dos nossos caminhos. Não só pelas condições financeiras como pelo receio da surpresa que pudesse dali sair. Naquela altura um restauro, por muito pequeno que fosse, estava fora de questão. Bom, ficou uma fotografia tirada no terreno do lado de oposto da estrada num momento provisório de estacionamento.

Ver anexo 1258580

O tempo passou e eu não mais o voltaria a ver. Nem sequer o dono para o interrogar. A vida ocupou-me com outras tarefas. E, certamente, do outro lado igual. Julguei que tivesse desaparecido para sempre juntamente com os amigos de quatro rodas.

Mas, como as fases da lua, numa altura de novidade no que ao significado de confinamento nos dizia respeito, deparo-me com um anúncio de um Datsun 1200 Coupe localizado em Miranda do Corvo, numa das várias pesquisas realizadas para manter alguma da sanidade que o momento exigia. Matricula visível, foto por foto analisada, muitas alterações e uma pesquisa na imagem atrás publicada e chego à feliz conclusão que era o mesmo clássico que tenha visto há uma década. Impossível, pensei eu!

Ver anexo 1258581



Mais uma vez lamentei a minha triste sina por não ser (ainda) desta que ele viria a morar no quentinho da minha garagem.

Como a normalidade foi sendo reposta aos poucos também as rotinas voltaram. Numa dessas ocasiões de regresso à vida que outrora fora repentinamente suspensa, e no âmbito de uma assembleia de freguesia onde se debateu, entre outros, o assunto da compra de uma carrinha, o nome Isuzu foi colocado em cima da mesa. E, instantaneamente, ao ouvir o pronunciamento daquela marca, eu sentadinho no meu lugar, não consegui impedir o meu raciocino de cavalgar a trote até ao Datsun. Mas porque raio está um assunto relacionado com o outro? Pois bem, a explicação é simples. Um dos elementos que compõe a dita assembleia era o dono do japonês. Fácil. Ouro sobre azul. Como ele tinha uma Bedford SETA, estas têm motor Isuzu e uma coisa leva à outra e tal...bom, estão a ver, certo? No final da sessão, questionei-o sobre a dita SETA mas o que queria saber mesmo, mas mesmo saber era do 1200. A carrinha já não a tem; o trator não sei (julgo que sim mas eu de tratores percebo tanto como de lagares de azeite); o R21 presumo que já viajou para outra vida; e o dito clássico fora vendido a um entusiasta que é entendido na matéria e lhe deu o carinho merecido. Contara-me que teve mágoa por se ter desfeito do carro mais ainda a sua filha que fora contra a venda. Contudo, o facto de não ter local para o guardar e o avanço das condições de degradação do mesmo, onde inclusive, teve direito a um banho de cimento dado pelo sogro, levaram a este desfecho. Menos mal, balbuciei. Não estava perto mas não tinha virado um cubo de chapa retorcida. Restava-me esperar por vê-lo um dia. Se esse dia chegasse, claro.

Poiares. Um calor infernal naquela tarde de Domingo do nono mês do ano. Por entre modelos da oval azul vejo aquela traseira vermelha lá ao fundo num stand. Um Datsun 1200 Coupe? Será? Aproximei-me, ignorando tudo o resto. Vi-o, analisei-o e comovi-me. Bolas, era mesmo ele. Tanto anos depois. Não pensei que num curto intervalo de tempo a história se desenrolasse tão rápido. Anúncio; conversa com o anterior responsável; reencontro. Tirei fotos. Umas boas outras más. As últimas já na despedida do evento. Vi o atual dono. Todavia algo me fez desviar a atenção e perder o rasto do senhor. Fica para a próxima a prosa. Permaneceu o Coupe e as fotos para vos mostrar e para arquivar. Regressei a casa de coração cheio. Podia ter sido o pior evento (não foi) de sempre mas eu já tinha ganho o dia.

Ver anexo 1258582 Ver anexo 1258583 Ver anexo 1258584 Ver anexo 1258585

A pergunta é: será que um dia haverá final feliz? Pelo menos sei que foi salvo e não mora muito longe. Resta-me saber a sua vida nos últimos anos e partilha-la com o meu vizinho de aldeia. Vai gostar de sabê-la.

Não acredito em coincidências mas julgo que a nossa história não fica por aqui... ;)

Tiago, excelente história.
A vida ensinou-me que nunca se deve desistir e que certas coincidências não acontecem por acaso.
Paciência e perseverança costumam dar bons frutos.
Vou ficar, pacientemente, a aguardar por novidades ;)
 
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