Clássicos Do Ultramar

Nuno Ferraz

Veterano
Premium
Portalista
Vou partilhar a história de um Datsun 1200 que veio de Angola de traineira.

O DATSUN QUE VEIO DE TRAINEIRA

Decorria o ano de 1976, em Angola. Depois da independência, em Janeiro a guerra civil intensifica-se no Sul.
Em Moçâmedes e Porto Alexandre (actual Tombwa) dois dos "movimentos de libertação" (UNITA e FNLA) travam intensos combates dentro das cidades.
A população civil teme o pior. Apesar de quererem continuar em Angola, (na sua maioria naturais de segunda geração) a falta de condições de segurança, de produtos de primeira necessidade e de cuidados de saúde, começam a equacionar a fuga para sul, para a Namíbia.
Nesta altura a ponte aérea de Luanda para Lisboa já tinha terminado e a ligação de Moçâmedes a Luanda também estava inviabilizada, devido à guerra civil que se instalou em todo o território.

Eu, na altura com 15 anos, já conduzia o Datsun 1200 (AAD-05-56) azul escuro da família. Antes dos acontecimentos e em zonas sem trânsito já fazia uns "piões" nas estradas com areia das "garroas" do Deserto do Namibe...
Em Porto Alexandre, terra de pescadores, de fábricas de farinha e óleo de peixe, as traineiras eram a última alternativa para a fuga para sul. O que veio a acontecer a 10 de Janeiro.

Chegou a hora. Vem aí mais guerra. A notícia espalha-se pela vila. Dezenas de traineiras de Porto Alexandre com os depósitos de gasóleo atestados, preparam-se para qualquer eventualidade...
Centenas de pessoas arrumam os seus pretences, em malas, em sacos e em caixotes e dirigem-se para os vários cais de madeira das fábricas espalhadas pela baía onde estão acostadas as traineiras a postos para navegar.

Eu fiquei incumbido pelo meu pai (Manuel Serra de Oliveira – Manecas) de levar as coisas mais importantes de casa, em caixas de cartão e a roupa em sacos de serrapilheira (era o que havia à mão) para a Dea II, uma traineira de 25 metros, da empresa Venâncio, Guimarães e Sobrinho, onde o meu pai era encarregado geral e técnico mecânico, na altura responsável pela gerência e ocupado com a preparação e coordenação dos meios para a fuga nos barcos Dea II, Vega e Lubango. Todos da mesma empresa.

O Datsun 1200 foi o veículo utilizado nestas várias viagens ao cais, carregando os pretences da família. Por último e ao fim do dia, com a traineira já preparada para zarpar, coloquei duas tábuas entre o cais e a Dea II e, com o cuidado possível, devido ao nervosismo, coloquei o Datsun dentro do barco.

Cerca de sessenta traineiras de Porto Alexandre e o navio mercante Silver Sky que no porto de Moçâmedes acolheu mil e duzentas pessoas rumaram juntos ao porto mais próximo, logo depois da fronteira do Cunene, até Walvis Bay, na Namíbia.

Dois dias de viagem, com famílias inteiras acomodadas dentro do possível nos barcos, incluindo crianças de tenra idade.

À chegada a Walvis Bay fomos apoiados pela Cruz Vermelha Internacional e pelas autoridades da Namíbia que proporcionaram a deslocação de todos aqueles que pretendiam viajar para Portugal a partir do Campo de Refugiados de Windoek, capital do estado, numa "ponte aérea" organizada por Portugal para o efeito.

Eu fiquei com o meu pai na traineira Dea II com uma tripulação de mais três homens.
Entretanto tendo em vista a criação de uma empresa de pesca no Brasil, sete das traineiras partem para o Rio de Janeiro, incluido a Dea II, numa viagem de três mêses.

O Datsun 1200 continuava lá, tapado com um encerado cincento, encostado à amura do barco, agora com o convés completamente preenchido com bidons de 200 litros de gasóleo para a viagem.

Chegados ao Brasil, a situação não foi fácil.
As autoridades brasileiras não autorizaram a constituição de uma empresa de pesca e passados três meses estavamos a preparar a viagem para Portugal. Uma viagem que se revelou muito atribulada.
Em Novembro a costa ocidental estava a ser fustigada por mau tempo e nós em pleno mar alto...

Conseguimos enviar mensagens de socorro e fomos finalmente localizados e ajudados pela Marinha Portuguesa perto do Cabo Espichel. Entrámos no porto de Sesimbra sãos e salvos.
O Datsun com o temporal sofreu bastante, pois os bidões de gasóleo a embater lateralmente com a ondulação, provocaram muitas mossas na lateral do carro.

Mais tarde, e já em Vila Real de Santo António o meu pai mandou pintar o Datsun e vendeu-o, tendo-lhe perdido o rasto.

Entretanto, como filho de peixe sabe nadar, tenho mantido a paixão pelos carros clássicos e antigos. Construí a “Oliveira's Garage” para acomodar e restaurar os meus 10 clássicos "populares" dos anos 60 e 70 e sou coordenador na organização de encontros de clássicos em Vila Real de Santo António, através do grupo "Clássicos na Praça”, com página no Facebbok.

Caro Hélder, a fuga do Sul de Angola é uma história que conheço bem por razões completamente diferentes e ligadas à Baía dos Tigres.

Estas são aventuras que poucos vivem durante a sua vida, boa sorte para a busca do 1200 duas portas.
 

Helder Manuel Oliveira

Pre-War
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Portalista
Caro Hélder, a fuga do Sul de Angola é uma história que conheço bem por razões completamente diferentes e ligadas à Baía dos Tigres.

Estas são aventuras que poucos vivem durante a sua vida, boa sorte para a busca do 1200 duas portas.
Nuno, a Baía dos Tigres...logo alí ...:thumbs up: Quando éramos miúdos fazíamos carros de bordão com cortiças e latas de azeite, tipo jeeps e andávamos no deserto quase até ao Farol da Ponta Albina...;) Abraço!
 

João Luís Soares

Pre-War
Membro do staff
Premium
Delegado Regional
Portalista
Vou partilhar a história de um Datsun 1200 que veio de Angola de traineira.

O DATSUN QUE VEIO DE TRAINEIRA

Decorria o ano de 1976, em Angola. Depois da independência, em Janeiro a guerra civil intensifica-se no Sul.
Em Moçâmedes e Porto Alexandre (actual Tombwa) dois dos "movimentos de libertação" (UNITA e FNLA) travam intensos combates dentro das cidades.
A população civil teme o pior. Apesar de quererem continuar em Angola, (na sua maioria naturais de segunda geração) a falta de condições de segurança, de produtos de primeira necessidade e de cuidados de saúde, começam a equacionar a fuga para sul, para a Namíbia.
Nesta altura a ponte aérea de Luanda para Lisboa já tinha terminado e a ligação de Moçâmedes a Luanda também estava inviabilizada, devido à guerra civil que se instalou em todo o território.

Eu, na altura com 15 anos, já conduzia o Datsun 1200 (AAD-05-56) azul escuro da família. Antes dos acontecimentos e em zonas sem trânsito já fazia uns "piões" nas estradas com areia das "garroas" do Deserto do Namibe...
Em Porto Alexandre, terra de pescadores, de fábricas de farinha e óleo de peixe, as traineiras eram a última alternativa para a fuga para sul. O que veio a acontecer a 10 de Janeiro.

Chegou a hora. Vem aí mais guerra. A notícia espalha-se pela vila. Dezenas de traineiras de Porto Alexandre com os depósitos de gasóleo atestados, preparam-se para qualquer eventualidade...
Centenas de pessoas arrumam os seus pretences, em malas, em sacos e em caixotes e dirigem-se para os vários cais de madeira das fábricas espalhadas pela baía onde estão acostadas as traineiras a postos para navegar.

Eu fiquei incumbido pelo meu pai (Manuel Serra de Oliveira – Manecas) de levar as coisas mais importantes de casa, em caixas de cartão e a roupa em sacos de serrapilheira (era o que havia à mão) para a Dea II, uma traineira de 25 metros, da empresa Venâncio, Guimarães e Sobrinho, onde o meu pai era encarregado geral e técnico mecânico, na altura responsável pela gerência e ocupado com a preparação e coordenação dos meios para a fuga nos barcos Dea II, Vega e Lubango. Todos da mesma empresa.

O Datsun 1200 foi o veículo utilizado nestas várias viagens ao cais, carregando os pretences da família. Por último e ao fim do dia, com a traineira já preparada para zarpar, coloquei duas tábuas entre o cais e a Dea II e, com o cuidado possível, devido ao nervosismo, coloquei o Datsun dentro do barco.

Cerca de sessenta traineiras de Porto Alexandre e o navio mercante Silver Sky que no porto de Moçâmedes acolheu mil e duzentas pessoas rumaram juntos ao porto mais próximo, logo depois da fronteira do Cunene, até Walvis Bay, na Namíbia.

Dois dias de viagem, com famílias inteiras acomodadas dentro do possível nos barcos, incluindo crianças de tenra idade.

À chegada a Walvis Bay fomos apoiados pela Cruz Vermelha Internacional e pelas autoridades da Namíbia que proporcionaram a deslocação de todos aqueles que pretendiam viajar para Portugal a partir do Campo de Refugiados de Windoek, capital do estado, numa "ponte aérea" organizada por Portugal para o efeito.

Eu fiquei com o meu pai na traineira Dea II com uma tripulação de mais três homens.
Entretanto tendo em vista a criação de uma empresa de pesca no Brasil, sete das traineiras partem para o Rio de Janeiro, incluido a Dea II, numa viagem de três mêses.

O Datsun 1200 continuava lá, tapado com um encerado cincento, encostado à amura do barco, agora com o convés completamente preenchido com bidons de 200 litros de gasóleo para a viagem.

Chegados ao Brasil, a situação não foi fácil.
As autoridades brasileiras não autorizaram a constituição de uma empresa de pesca e passados três meses estavamos a preparar a viagem para Portugal. Uma viagem que se revelou muito atribulada.
Em Novembro a costa ocidental estava a ser fustigada por mau tempo e nós em pleno mar alto...

Conseguimos enviar mensagens de socorro e fomos finalmente localizados e ajudados pela Marinha Portuguesa perto do Cabo Espichel. Entrámos no porto de Sesimbra sãos e salvos.
O Datsun com o temporal sofreu bastante, pois os bidões de gasóleo a embater lateralmente com a ondulação, provocaram muitas mossas na lateral do carro.

Mais tarde, e já em Vila Real de Santo António o meu pai mandou pintar o Datsun e vendeu-o, tendo-lhe perdido o rasto.

Entretanto, como filho de peixe sabe nadar, tenho mantido a paixão pelos carros clássicos e antigos. Construí a “Oliveira's Garage” para acomodar e restaurar os meus 10 clássicos "populares" dos anos 60 e 70 e sou coordenador na organização de encontros de clássicos em Vila Real de Santo António, através do grupo "Clássicos na Praça”, com página no Facebbok.

Obrigado pela partilha desta história, Hélder! Muito obrigado!
 

Carlos G.

YoungTimer
Armando de Lacerda conta como foi:

CORRIDA MAIS TRISTE DAS MINHAS RECORDAÇÕES

"Estória" do último CIRCUITO DA PALANCA NEGRA, em Angola, em que perdeu a vida o piloto Janita Andrade Vilar

Foi há 38 anos (...) Este é o sortilégio inexplicável das corridas que levou Gérard Larrousse, em conversa comigo, a defini-las assim: “C’est la course! La course… c’est la course

Mas não tinha de ser assim! Era tudo gente experiente, na organização da prova. Sabia-se que colocar carros menos potentes na frente (não foi a primeira vez, ao que li) tinha fatalmente de dar confusão. A pista era larga, é certo, e ninguém podia prever que o Andrade Villar fosse "a rapar" ali pela berma fora, mas, pergunto: Na altura havia "briefings" de pilotos antes da partida, com o director de prova, para este falar sobre os pontos mais importantes a ter em conta?
 

Marco Reis

marcor
Ninguem tem fotos de um Fiat / Seat 127 branco mk1 em Angola?

Queria se conseguisse fotos do meu lá... mas ainda tenho a hipotese de ir ter com as filhas do proprietario!
 
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