Autocarros de Portugal

Marco Pestana

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Transportes colectivos de passageiros

Camioneta "horário" pertencente à Sociedade Automobilística de Câmara de Lobos Lda.


A história dos transportes colectivos de passageiros, em automóvel, no concelho de Câmara de Lobos, está directamente relacionada com a chegada dos primeiros automóveis à Madeira e à constituição, no Funchal, das primeiras empresas de transporte. Na realidade, na altura, o Funchal encontrava-se ligado à então vila de Câmara de Lobos através da chamada estrada monumental, a melhor estrada que a Madeira então possuía. Posteriormente, por volta de 1914, com o início das obras de extensão da estrada monumental para oeste, estes transportes estenderiam-se até à freguesia do Estreito, o que vem a acontecer sobretudo depois de 1920, com a a abertura da rua Cónego Agostinho Faria que permitia a ligação da estrada monumental ao centro da freguesia.
Data de 1904, a primeira vez que Câmara de Lobos, tal como de resto o Funchal, viu o primeiro automóvel. Era propriedade de Henry Harvey Foster e chegou à Madeira no dia 21 de Janeiro de 1904. Em 1907, com a constituição da Empresa Madeirense de Automóveis e a chegada do primeiro automóvel de transporte colectivo de passageiros, o transporte de pessoas e bens por via terrestre sofreria uma alteração radical. Câmara de Lobos, localidade servida por uma boa estrada viria a tirar partido desse facto e, pelo menos em 1910 já teria ao seu dispor carreiras mais ou menos regulares de transportes colectivos de passageiros, facultados pela Empresa Madeirense de Automóveis que até 1913 tinha o monopólio deste tipo de transportes.
Em 1913 surge a Empresa Funchalense de Automóveis e, com ela, o agendamento de uma carreira regular de transportes para a vila de Câmara de Lobos.
Com efeito, a 15 de Março de 1913, a imprensa local dá conta de que dois dias depois, um carro de 24 lugares da empresa Funchalense de automóveis, iria passar a fazer diariamente duas viagens regulares entre o Funchal e Câmara de Lobos [1].
No dia 14 de Agosto de 1917, haveria de ser inaugurado um serviço de transporte de passageiros entre o Funchal e Câmara de Lobos, puxado a mulas, sendo utilizado para o efeito um carro com uma lotação para 12 pessoas. O estabelecimento deste serviço destinar-se-ia a prestar um benefício às pessoas que tivessem de transitar entre a cidade do Funchal e a vila de Câmara de Lobos, uma vez que seria estabelecido um preço de 25 centavos para cada passagem de ida ou volta, ou seja menos 11 centavos que as passagens de automóveis [2].
Inicialmente explorada por empresas ou empresários funchalenses, estes serviços de transportes cedo haveria também de despertar o interesse dos empresários locais, tanto da freguesia de Câmara de Lobos, como do Estreito de Câmara de Lobos.
Com efeito, em 1925 é criada em Câmara de Lobos a Empresa Camaralobense de Automóveis que, cinco anos depois já era detentora de uma frota constituída por 7 viaturas.
Para além de se constituírem em sociedade, também surgem alguns empresários individuais detentores de automóveis de transporte colectivo de passageiros.
A este propósito refira-se que em 1930, constatamos a existência de quatro viaturas em nome individual, uma pertencente a Vasco Soares de Sousa, que fazia carreiras entre o Funchal e Câmara de Lobos e cujo proprietário se dizia o mais antigo das carreiras de Câmara de Lobos e, três pertencentes a João Gonçalves Câmara, com sede ao largo de São Sebastião [3].
Em 1930, para além da Empresa Camaralobense de Automóveis e dos empresários Vasco Soares de Sousa e João Gonçalves Câmara, a freguesia de Câmara de Lobos dispunha ainda de uma outra transportadora, a Empresa de Automóveis de Câmara de Lobos Lda, com sede na rua das Cales. Possuía na altura cinco viaturas. Ainda que se desconheça data da sua fundação é de supor que tenha sido posterior a 1925, isto a avaliar pela matrícula dos seus carros.
Em Agosto de 1931, a Empresa Camaralobense de Automóveis Lda. haveria de passar para a posse de um único proprietário.
Por volta de 1934, surge em Câmara de Lobos a Sociedade Automobilística de Câmara de Lobos (SACLL) que, a 8 de Junho de 1939, passaria a fazer praça ainda que provisoriamente, no Largo do Pelourinho [4]. Esta nova sociedade, viria a integrar vários sócios, entre eles João Gonçalves Câmara, que em 1930 possuía dois carros de transportes de passageiros e um de transporte de carga, Vasco Soares de Sousa, que em 1930 possuía um carro de transporte de passageiros e ainda vários outros sócios, alguns dos quais muito provavelmente ligados às duas empresas automobilísticas existentes em Câmara de Lobos, em 1930.
Contudo, a freguesia do Estreito não ficaria


alheia ao movimento de empresários em torno dos transportes colectivos de passageiros.
Assim, em Janeiro de 1928, existiam no Estreito de Câmara de Lobos, ao serviço da sua população 5 camionetas: 3 pertencentes ao Sr. João Pestana Santos que faziam carreira entre o Funchal e Estreito diariamente com excepção dos Domingos e feriados, sendo a sua paragem no Funchal, na rua do Aljube[5] e as outras duas pertencentes a Manuel Faustino de Abreu, sendo a sua paragem no Funchal, na rua da Sé [6].
Em Agosto de 1933, a freguesia do Estreito possuía uma única empresa de automóveis, estabelecida havia cerca de dois anos pelo Dr. José Sabino de Abreu, médico municipal e proprietário, tendo como colaboradores seu genro Tomás Ferreira e seu filho, o Dr. Jaime César Abreu. Nessa altura tinha já quatro camionetas, cada uma com lotação para 20 pessoas. Refere ainda o jornalista que anteriormente a freguesia tinha chegado a ter três companhias, mas que tinham falido [7].
Com a II Grande Guerra, o transporte automóvel haveria de sofrer algum revés que, no caso do Estreito conduziria à suspensão das carreiras regulares entre o Estreito e o Funchal, por falta de pneus. Com efeito, no dia 9 de Julho de 1945 recomeçariam as viagens de camionetas entre a freguesia do Estreito e o Funchal, havia vários anos interrompidas por falta de pneus [8], [9].



Fim da Parte I
 

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Marco Pestana

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Re: Secret Files I - Empresas de Autocarros Clássicos na Ilha da Madeira

Cont.

Parte II

Camionetas "horários" pertencentes à Sociedade de Automóveis do Estreito


Com maior ou menor dificuldade a Sociedade de Automóveis do Estreito e a Sociedade Automobilística de Câmara de Lobos viriam a se manter em actividade de forma individualizada até 1967, altura em que, por escritura de 1 de Março [10], se juntam com a Empresa Automobilística da Ribeira Brava e fazem nascer a Rodoeste e cujas quotas eram de 37% para a sociedade da Ribeira Brava, 38% para a de Câmara de Lobos e 25% para a do Estreito [11], [12].
Com esta fusão terminava um período de acentuada concorrência entre as três companhias, que, por um lado, se reflectia num excesso de oferta em determinadas zonas, as percorridas pelas três companhias e, por outro, dava azo a que em virtude disso outras zonas, as unicamente servidas por uma companhia, se tornassem carenciadas, por falta de meios. Desta forma livres da concorrência foi possível redistribuir os transportes e cobrir de forma mais adequada as várias zonas servidas [13].
A propósito da guerra existente entre as várias empresas pelo domínio ou cobertura desta ou de outra será importante referir que às vezes eram criadas situações caricatas como aconteceu com a luta pelo controlo da estrada da Panasqueira.
A abertura desta importante via de comunicação, viria a despertar uma forte guerra pelo controlo da área populacional por ela servida entre as duas empresas concelhias de transportes colectivos de passageiros, a Sociedade Automobilística de Automóveis de Câmara de Lobos e a Sociedade de Automóveis do Estreito de Câmara de Lobos Lda. e que começaria logo desde o momento que foram terraplenados os primeiros metros da estrada.
Com efeito, a 9 de Dezembro de 1959 é presente um pedido de parecer relativamente a um requerimento formulado pela Sociedade Automobilística de Câmara de Lobos para realização de uma carreira regular de automóveis entre o Funchal e o cemitério de Câmara de Lobos.
Contudo, a Sociedade de Automóveis do Estreito também não perdeu tempo e na sessão camarária de 29 de Dezembro de 1959 é presente um ofício dos Serviços Industriais e Eléctricos e de Viação pedindo para a Câmara informar se via algum inconveniente que impedisse a realização de uma carreira regular de passageiros entre o Funchal e o Lombo de São João da freguesia do Estreito e por ela requerida. Em resposta, a Câmara referiu não poder pronunciar-se sobre o pedido alegando não existir estrada e ainda não se encontrar devidamente elaborado o projecto. A propósito da referência ao Lombo de São João inserta no requerimento é de salientar que a obra a que se refere a hoje denominada Rua Padre Manuel Juvenal Pita Ferreira surge quase sempre como um dos lanços do Caminho Municipal de Câmara de Lobos entre a Estrada Nacional 101 (Espírito Santo e Calçada) ao Lombo de São João, pelo Jardim da Serra, denominação que não entendemos muito bem, a não ser que fizesse parte de um plano mais ambicioso de ligação de Câmara de Lobos com a ribeira Brava, passando pelo Jardim da Serra.
A 13 de Junho de 1962 já com a terraplenagem concluída, é presente em sessão camarária, um pedido de parecer formulado pela Sociedade Automobilística de Câmara de Lobos para a realização de uma carreira regular de automóveis entre o Funchal e a Panasqueira.
Contudo, a Sociedade de Automóveis do Estreito, não se deixa ficar para trás na luta pela posse desta estrada em termos de transporte de passageiros e, ainda que tardiamente, volta a lembrar à Câmara que não havia esquecido a sua pretensão. Com efeito, a 22 de Abril de 1964 é presente um requerimento da Sociedade de Automóveis do Estreito de Câmara de Lobos, Lda. pedindo que lhe seja certificado com urgência, se está ou não concluída a nova artéria municipal que liga a estrada nacional 101 ao sítio da Panasqueira e, em qualquer caso, se foi adjudicada a obra de calcetamento ou asfaltagem dessa nova estrada, ou se pelo menos, foi ou não anunciado o concurso para a sua adjudicação.
A 13 de Maio de 1964 é presente outro requerimento da Sociedade de Automóveis do Estreito de Câmara de Lobos, Lda. pedindo para certificar se a parte da estrada municipal de Câmara de Lobos ao Lombo de São João, pelo Jardim da Serra, na parte que já se encontrava efectivamente aberta abrangia ou não o sítio da Panasqueira e se este sítio pertencia em parte à freguesia do Estreito de Câmara de Lobos e, em parte à freguesia de Câmara de Lobos ou apenas a uma destas freguesias. Nada mais óbvio! Se este sítio pertencesse à freguesia do Estreito, a Sociedade de Automóveis do Estreito, teria naturalmente pretexto para pedir uma carreira de automóveis entre o Funchal e esta localidade.
Ao que se supõe só em meados de 1968, altura em que muito provavelmente se terão concluído as obras de pavimentação é que, pela primeira vez a rua Padre Pita Ferreira, em toda a sua extensão passa a dispor de uma carreira de automóveis de transporte colectivo de passageiros. Nesta altura a fusão das duas empresas de automóveis, sob a denominação de Rodoeste, já se havia concretizado e as guerras entre elas, entretanto, terminado.






[1] Diário de Notícias de 15 de Março de 1913.
[2] Diário da Madeira, 12 de Agosto de 1917.
[3] Diário da Madeira, 7 de Setembro de 1930.
[4] Diário da Madeira de 8 de Junho de 1939.
[5] De acordo com o Diário da Madeira de 9 de Fevereiro de 1929 José Pestana Santos, proprietário dos carros 444, 479 e 619 prevenia os seus clientes de que a partir daquela data receberia passageiros e carga na rua Júlio da Silva Carvalho, no antigo seminário.
[6] Diário da Madeira de 22 de Janeiro de 1928.
[7] Diário de Notícias ou Diário da Madeira, 13 de Agosto de 1933.
[8] Diário de Notícias de 24 de Julho de 1945.
[9] O Jornal de 10 de Junho de 1945.
[10] Jornal da Madeira, 21 de Março de 1967.
[11] Jornal da Madeira, 4 de Fevereiro de 1967.
[12] Jornal da Madeira, 8 de Fevereiro de 1970.
[13] Jornal da Madeira, 8 de Fevereiro de 1970.
 

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Tony Cabral

Cabral
Re: Secret Files I - Empresas de Autocarros Clássicos na Ilha da Madeira

sim senhor, os meus parabéns, pois já tinho ouvido falar qualquer coisa sobre a historia da rodaoeste, mais agora já a sei toda.

Parabéns pelo comentário, pois deve ter tido um bom trabalho para fazer esta pesquisa.

Cumprimentos....
 

António Barbosa

Red Line
Portalista
Re: Secret Files I - Empresas de Autocarros Clássicos na Ilha da Madeira

Incrível, muitos parabéns. Tivessem todas as zonas do nosso país tão bem pesquisadas.
 
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Marco Pestana

Marco Pestana

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Re: Secret Files I - Empresas de Autocarros Clássicos na Ilha da Madeira

Mais um...
 

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Este foi o primeiro autocarro do Porto da Empresa Joaquim Martins da Fonseca aqui ao lado do seu orgulhoso proprietário.
 

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Marco Pestana

Marco Pestana

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:D:D:D:DAmigo Francisco;

Os autocarros Madeirenses, não serão AUTOCARROS DE PORTUGAL???
;)

Já existe um tópico...
 

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Antes Francisco Lemos Ferreira
Empreza Alfandeguense ( Alfandega da Fé) Serviços combinados com a CP
 

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Marco Pestana

Marco Pestana

MarcoSprint MarcoVW61
Francisco;

Anexa o meu tópico sobre os autocarros Madeirenses, a este teu tópico.

Assim ficam os autocarros num autêntico comboio! Hehehehe

Obrigado
 
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