A escolha do óleo do motor

Eduardo Relvas

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O que faz o óleo

O óleo, como já li algures em tempos, é quase "o sangue do motor". Esta analogia é bastante usada, e tem alguns pontos de veracidade. Como o sangue, o óleo é bombeado para chegar a todas as partes do motor. Também como o sangue, o óleo contém todas as impurezas geradas dentro do motor até que sejam filtradas.

Mas ao contrário do sangue, o óleo lubrifica todas as partes móveis e cria uma barreira entre superfícies, além de ter também um papel no arrefecimento do motor, levando o calor para longe dos componentes internos, lidando com contrastes de temperaturas entre -10 até 100ºC.

Perversamente, o óleo também é a chave da retenção de gases nas câmaras de combustão, pois os segmentos que servem para manter a compressão lá dentro e o óleo de fora não funcionariam eles próprios sem um pouco de óleo...

História e desenvolvimento

Nos primórdios da era automóvel, já os motoristas tinham um dilema entre mãos, pois podiam escolher entre duas variedades de óleo: vegetal ou mineral. O óleo vegetal (os ingleses chamam-lhe castor oil), gerado a partir de uma espécie de feijões, é um lubrificante natural com propriedades fantásticas, e ainda hoje é tido em bastante conta nos círculos da competição vintage e de alguns modelos desportivos da era. O problema do óleo vegetal é que oxida muito rapidamente e forma alguns depósitos muito pegajosos. Embora isso não constitua um problema num motor de competição que é reconstruído periodicamente, para o uso diário depressa foi abandonado em prol do mineral, um óleo obtido a partir do petróleo por processos de refinação.

Embora o óleo mineral acarretasse algumas vantagens, ainda havia problemas a resolver. Os primeiros motores não tinham capacidade de filtragem adequada, por isso o óleo era forçado a conter todas as impurezas geradas pelo funcionamento do motor. Isto obrigava a mudanças de óleo muito frequentes para impedir que as impurezas arruinassem o motor.

Chegados os anos 40, a tecnologia de filtragem já apresentava soluções satisfatórias, pelo que a necessidade de o óleo reter as impurezas já não existia. Os óleos desta era começam então a ter os primeiros aditivos, mais especificamente, detergentes e dispersantes, para remover depósitos e dispersar contaminantes. Um óleo destes, utilizado num motor mais antigo sem a filtração adequada, poderia ter resultados catastróficos ao libertar os depósitos formados e potencialmente arruinar o motor. Com apenas duas variedades distintas de óleos, os perigos da escolha errada já se tornavam aparentes.

Com os anos 60, complica-se ainda mais a escolha, pois até aí todos os óleos eram monograduados, isto é, tinham uma viscosidade fixa. Isto implicava que a maioria dos carros tinha de usar um óleo por cada metade do ano, pois teria uma viscosidade adequada para tempo quente (em que é preciso um óleo mais espesso para impedir que as altas temperaturas possam torná-lo demasiado fino para que possa ser eficaz) e outra para tempo frio (em que é preciso um óleo fino para fluir mais facilmente a baixas temperaturas).

A viscosidade de inverno é medida a -10ºC na maioria dos casos, e é o valor indicado antes do "W" (para Winter, ou inverno). A viscosidade de verão é o segundo valor, e é medido a 100ºC.

A chegada dos óleos multigraduados é assim bem acolhida pela generalidade dos automobilistas. A evolução tecnológica que os permitiu foi a criação de modificadores de viscosidade, que basicamente são polímeros que encolhem a baixas temperaturas, ocupando menos espaço e tornando o óleo menos espesso, enquanto que a temperaturas elevadas as moléculas se expandem, ocupando mais volume e dando mais corpo ao óleo.

À medida que as tolerâncias internas dos motores e os retentores melhoraram, óleos mais finos com mais aditivos detergentes e dispersantes foram surgindo. Isto permitiu que os motores tivessem cada vez mais horas de uso entre manutenções, pois o óleo mantinha-se limpo mais tempo.

Os desenvolvimentos na alimentação do motor também ajudaram, especialmente com o uso da injecção, pois os carburadores necessitam de um enriquecimento maior da mistura a frio, que na maior parte dos casos era feita manualmente com o botão de fecho de ar. Mantendo a mistura rica por mais tempo, o óleo era mais diluído pela mistura rica. Com a injecção as doses de combustível passaram a ser muito mais finamente controladas e o risco de diluição do óleo foi dramaticamente reduzido.

Nos anos 70, surgem os primeiros sintéticos, pela mão de empresas como a Mobil. Estes óleos foram desenvolvidos para replicar as melhores qualidades dos óleos vegetais e minerais mas sem os elementos indesejáveis como enxofre, hidrocarbonetos instáveis e contaminantes que não era possível remover pela refinação convencional dos óleos baseados no crude.

Os óleos sintéticos são constituídos por dois elementos básicos: um éster, que é uma versão artificial de um óleo vegetal, e polialfaolefina (PAO), um hidrocarboneto artificial. Os óleos semi-sintéticos são uma mistura de um óleo mineral e PAO, não contêm éster e são mais baratos que um sintético.

Os sintéticos, ao não terem os elementos negativos dos óleos minerais, fluem melhor a baixa temperatura e resistem muito mais à oxidação, logo não acumulam sujidade nem empastam, e por isso duram bastante mais. São também bastante mais resistentes a altas temperaturas que os óleos minerais, tornando-os mais adequados para aplicações de alta performance.

O desenvolvimento da tecnologia na indústria automóvel tem empurrado a dos óleos ao longo da história, e ainda hoje isso é patente ao termos viscosidades cada vez mais baixas, permitindo aos motores atingir a sua temperatura ideal mais depressa. Níveis mais elevados de aditivos detergentes e dispersantes trabalham lado a lado com filtração mais sofisticada criando intervalos de manutenção impensáveis há alguns anos atrás.

A escolha certa para os nossos clássicos

A escolha de óleos disponíveis no mercado é de tal forma alargada, que não é surpresa que muito motor tenha sido danificado de alguma forma por uma escolha inadequada de óleo.

Os óleos adequados para um motor moderno são completamente desajustados para um motor de um clássico. Pôr um 0W30 num motor da década de 60 vai baralhar tudo, ao ser demasiado fino para a bomba de óleo conseguir forçá-lo pelas suas engrenagens (desenhadas para um lubrificante mais espesso), e vai verter pelos retentores. Mas mesmo que a viscosidade fosse adequada, os níveis de aditivos presentes num óleo moderno fariam uma limpeza geral ao motor em menos de um fósforo, retirando os depósitos em que muitas vezes os próprios retentores confiam para manter o motor estanque.

Outro factor a ter em mente quando se procura um óleo, é que se tem aquilo que se paga. Cinco litros de óleo com uma consistência duvidosa por 5 euros devem deixar suspeitas no ar. Os especialistas alertam que um óleo barato não pode ter qualquer semblante de qualidade porque para atingir o preço-alvo, a pesquisa e desenvolvimento foram muito limitadas ou mesmo omitidas de todo. Deve-se procurar um óleo de um fabricante de qualidade, com um nome reconhecido, para se ter a garantia de ter uma base de desenvolvimento fiável.

De seguida, deve-se ter atenção à graduação recomendada pelo fabricante do veículo. Esta informação pode ser obtida no manual do proprietário, através do clube respectivo ou através de um especialista em óleos para clássicos. Alguns modelos também têm esta informação patente no compartimento do motor inscrita numa pequena chapa ou mesmo na tampa do óleo.

Basicamente, devemos fazer as seguintes separações:

- Óleos monograduados devem ser usados para automóveis fabricados até à década de 50;

- Multigraduados (20W50 ou 20W60)serão adequados para a maioria dos carros produzidos nas décadas de 60 e 70, mas alguns modelos desportivos destas eras poderão beneficiar de um semi-sintético destas viscosidades;

- Clássicos modernos dos anos 80 beneficiarão em usar algo mais fino como um 10W60, geralmente disponível como semi-sintético ou totalmente sintético.

Outras informações úteis

Um dos mitos mais difundidos sobre óleos é o de que não se pode misturar óleo mineral com sintético. A verdade é que desde que a viscosidade seja adequada para o motor, não existe qualquer problema, simplesmente o óleo mineral irá limitar a performance do sintético.

Uma das piores ideias geradas na indústria automóvel e que mais complicações gera aos óleos é o dos motores que partilham o seu óleo com a caixa de velocidades, como os Minis e os primeiros Lamborghini Miura. Este ambiente apresenta muitas dificuldades ao óleo, dado que tem de cumprir duas funções completamente diferentes em simultâneo. Este "pesadelo" levou alguns fabricantes a oferecer alguns óleos 20W50 com formulação especial para uma aplicação tão complexa, tanto em mineral como em semi-sintético.

A tecnologia moderna permitiu aos óleos formulados para clássicos alguns benefícios significativos, tais como agentes anti-desgaste (que minimizam a abrasão por contacto entre metais), inibidores de corrosão e melhoradores de índice de viscosidade (que impedem o óleo de perder as suas qualidades demasiado depressa). Outros aditivos incluem inibidores de oxidação, que impedem a formação de depósitos no óleo e assim aumentam a sua vida útil.

Quando se deve mudar o óleo?

Um clássico em uso regular deve mudar o óleo no máximo cada 7,500 km. O filtro deve ser mudado apenas uma em cada duas mudanças, pois tornam-se mais eficazes quando já têm alguma sujidade acumulada.

Carros que saem da garagem com pouca frequência e fazem quilometragens reduzidas devem mudar o óleo anualmente, pois a combinação de viagens curtas que não permitem o aquecimento pleno do trem mecânico, diluição acentuada por utilização prolongada de misturas ricas e grandes períodos estacionários que permitem acumulação de humidade conspiram para tornar o óleo pouco eficaz no seu papel de protecção.

Se planear manter o carro parado durante algum tempo (por exemplo durante o inverno), convém mudar o óleo imediatamente antes de o fazer, pois assim livra o motor das impurezas acumuladas e o óleo novo tem os aditivos anti-corrosivos mais recentes e em alta concentração que darão melhor protecção ao motor.

Períodos mais prolongados de inactividade implicarão o uso de um óleo especial, formulado para manter o motor inactivo durante mais tempo. Estes contêm aditivos que tornam o óleo mais pegajoso, obrigando-o a aderir mais às superfícies de contacto e assim previnem a formação de condensação e corrosão.

Um abraço a todos!
 
OP
OP
Eduardo Relvas

Eduardo Relvas

fiat124sport
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Olá a todos,

Peço desculpa por a introdução ficar em nota de rodapé mas o fórum não deixava postar tudo junto pois excedia o limite de caracteres (11000).

Conforme me foi pedido há algum tempo depois da escrita do artigo sobre combustíveis, aqui fica uma contribuição sobre óleos de motor. Espero que possa ajudar a conhecerem melhor esse ilustre "combatente" que tanto faz pelos nossos motores.

Este texto não é totalmente da minha autoria, foi baseado num texto recolhido de uma revista da especialidade com alguns factos adicionais à mistura. Como informação gratuita que é, fica ao vosso dispôr para ampliarem conforme achem adequado, e a divulgação é igualmente encorajada, pois é sempre um ganho para a comunidade quando se distribui saber.

Disfrutem!
 

tiago capa

Clássico
Obrigado, de certeza que isto irá ajudar muita gente como eu, havia muita coisa que nao sabia e descobri depois de ler este post ;)
 
OP
OP
Eduardo Relvas

Eduardo Relvas

fiat124sport
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Já agora mais uma achega:

Eu neste momento nos meus Fiats estou a usar basicamente 15w50 ou 20w50 mineral da Castrol (não acho caro e acaba por ser o mínimo decente que há para estas aplicações).

Em breve vou reconstruir o motor original do Spider de que estou a terminar o restauro, e depois disso vai passar a ser alimentado com Selénia Racing, que é um semi-sintético de elevadíssima qualidade e tem a interessante viscosidade de 10w60, que é ideal para um motor com tolerâncias internas relativamente grandes como estes antigos são. É caro (se bem me lembro 4 litros custam cerca de 100 euros), mas para um motor destes acabadinho de fazer, acho que vale a pena o investimento...

Depois desse conto fazer uma revisão geral ao motor do meu, e depois disso vai levar da mesma dieta... Agora ainda não me ralo porque tenho a certeza que as galerias da cambota devem estar entulhadas de depósitos, e tenho medo que o óleo ao ser mais agressivo em termos detergentes as "limpe" e ponha em circulação...

Um abraço a todos!
 

João:Ferreira

YoungTimer
Bom dia,

excelente tópico para a nossa cultura geral, no entanto existe uma característica nos óleos que poucos sabem identificar e quantificar.

A qualidade, passo a explicar, enquanto que a viscosidade é dada em graus SAE - o 10, 30 ou 10W mono grades ou o 10W40, 5W40 no caso dos multi grades. A qualidade é o que diferencia um bom óleo de um mau.

No caso dos óleos para motores a API - american petrol institut tem duas classificações a S e a C para medir a qualidade do oleo.

um óleo para motores Diesel tem um C e a seguir outra letra CD, CF, CJ ... quanto maior a letra melhor o óleo, após as duas letras existe ainda um numero -3,-4 portanto um óleo com uma classificação de CD é pior que um óleo de classificação CJ-4.

para os motores a gasolina a letra é a S, portanto SF, SG, SJ...

esta classificação permite de imediato ver qual o melhor óleo, comparando a qualidade imediatamente, todos os fabricantes são obrigados a colocar estas letras nas embalagens, tenho encontrado no entanto letras bastantes pequenas:wacko:.

existe ainda outras classificações as MIL, MB, JIS, BMW que são ou de construtores ou de associações, na europa infelizmente não existe um padrão pelo que o melhor é ver as da API.

um abraço
 
OP
OP
Eduardo Relvas

Eduardo Relvas

fiat124sport
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Amigo João Ferreira,

Obrigado por levantar esse tópico, foi algo que queria ter referido e por esquecimento não o fiz.

O índice de refinação é resultante duma norma da API, e indica o nível de refinamento do óleo, quanto maior o índice melhor o óleo foi refinado. Tem sempre índices de letras aos pares, e é sempre inscrito no rótulo da embalagem em algo semelhante a "API SJ/CF".

O índice para motores a gasolina (Spark ignition, daí o "S") vai normalmente até ao J, quanto mais adiantada a letra melhor a qualidade.

O dos motores diesel (Compression ignition, daí o "C") costuma ir até ao F, mas alguns óleos modernos já têm índices G.

Quanto mais refinado for o óleo, mais contaminantes naturais foram removidos da sua base mineral, e logo mais resistente será o óleo à oxidação. Pode não ser muito importante num carro da década de 40 ou 50 que troca de óleo cada 2,500 km, mas naturalmente fará muita diferença a quem troca de óleo com quilometragens maiores...

Um abraço!
 
OBRIGADO!
Para mim o mundo do oleo sempre foi viscoso, opaco, caro, misterioso, confuso.
É o 10w40 ou 15w... e pronto!
Várias vezes perguntei a funcionários de lojas e a mecânicos sobre estas dúvidas e as respostas foram de tal modo dispares que raiam o hilariante!. E então agora ... Santa ingnorância!
Tive dúvidas quando "acabou" a Mobil. Eram oleos da Mobil /BP... Nomes diferentes, normas com letrinhas microscópicas???...
Tenho um carro novo que utiliza Castrol que só encontro na oficina da marca!...

Agora até tenho curiosidade! Vou fazer uma cábula com toda esta informação!
Mais uma vez obrigado
PS: Já no post dos combustiveis fiquei espantado ser possivel explicar tão bem algo que tb se tornou misterioso para nós - consumidores!
 
Para mim esta história dos óleos também é um pouco viscosa tal como disse o Alexandre Ribeiro.
O que se vê são as marcas dos óleos a apoiarem-se na viscosidade para vender, já que em tempos conseguiram impingir o conceito que que um bom oleo é o mais evoluido e este consegue viscosidades na ordem dos Zero / qualquer coisa.
Andei mais uma vez a "esgravatar" sobre o assunto e cheguei à conclusão que isso até tem pouco interesse.
Se repararem nos manuais dos carros existem apenas gráficos que relacionam a temperatura ambiente com a viscosidade a usar. Logo podemos concluir que isso nem é tão importante assim já que o nosso país que tem temperaturas moderadas, quase tudo serve...
No entanto se lermos com mais atenção existe algures no resto da pagina a referencia da especificação do Oleo a usar.
A normas S e C são por vezes as únicas referidas logo a especificação API que engloba tambem essas normas serve perfeitamente.
Geralmente as especificações de um oleo evoluem de ano para ano e englobam a do ano anterior como se pode ver na tabela seguinte

Evoluo.jpg

Nos carros mais recentes a exigência e enorme e em muitos casos os óleos têm especificações "únicas para a marca" vejam o exemplo dos "gasoils " da WW.

só para enumerar um pormenor engraçado falo-lhes de uma ficha que liga os injectores bomba nos novos motores a gasóleo que necessitam de um oleo muito especifico para que os contactos se mantenham em condições. Coloquem lá um lubrificante evoluidíssimo que preencha todos os requisitos e esqueçam-se da especificação certa (que provavelmente desconhecem, ler o manual dá muito trabalho:D) e ao finm de uns tempos é problema certo...

Já agora... lembrei-me de outra, um amigo que trabalha com estas coisas disse-me mesmo que a história do mineral e do sintético também não interessa assim tanto porque é apenas o tipo de processo usado para conseguir determinada especificação. Claro que nalguns casos só com um processo sintético se lá chega...
 

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