Miguel Gomes Dinis
Veterano
Casos há em que o legado familiar e a ligação emocional ao objecto prevalece sobre ele próprio.
Temos o caso aqui no Portal de um Pai que usa do automóvel clássico como testemunho para um filho que o recebe de lembrança. Poderia ser outra coisa qualquer. Mas foi um carro.
Temos outro caso, também aqui no Portal, para o qual ainda não encontrei prosa que o mereça (mas vou encontrar), de alguém que decidiu restituir à velha forma um objecto que representa uma viagem, uma memória, um conjunto de recordações e de vidas nele contidas sob a forma das coisas mais desinteressantes que 4 rodas podem ter. Um Renault 6. Terá mais valor até por isso.
No meu caso, não é novo nem é velho. Não tem valor de peça, nem tampouco é qualquer coisa exótica, interessante ou exclusiva. Este que aqui vêem era o carro do meu Pai. Quando digo era, digo-o com a felicidade do motivo ser ter outro e não mais este (pelo equívoco que a terminologia verbal "era" possa gerar). E de ser ele que vive sob a forma de carro que mais depressa me faz lembrar a unidade e a entidade que sou eu com ele.
Porque na verdade é de pessoas que gostamos. É de pessoas que lembramos quando particularizamos um determinado carro. É de pessoas com quem nos identificamos na pesonalidade e reflexo traduzido à expressão de um povo que individualizamos numa determinada filosofia de automóvel. E é de pessoas que trazemos à forma daquilo que gostamos na identidade colectiva de quem idealizou, onde se construiu e como a nós chegou o carro da marca que escolhemos.
Corria o ano de 2000, teria eu os meus 18 anos quando este exemplar chegou a casa. Comprado novo na Baviera - Porto, levantado no dia 29 de Setembro desse mesmo ano, numa sexta-feira.
Este carro é a soma do desejo circunstancial do meu pai por um Mercedes e do meu por um Alfa Romeo 156. Ficou no meio caminho destes dois, sendo desde então a marca que o meu pai conduz até hoje, daqueles que lhe sucederam. Quando foi ponderada a troca, acabei por ficar com ele por oferta do meu Pai pelo pouco valor de mercado que representava na dita troca.
É o único carro (na verdade não é o único, porque passou a ser hábito desde então, mas digamos o único que não é novo) que por ter acompanhado desde o primeiro interesse até à data conservo catálogos, tabela de preços e opcionais, factura de compra, ofertas do concesionário (porta chaves + relógio), todas as factuas e manutenções que realizou até à data.
E é justamente na antecâmara efeméride dos 20 anos prestes a celebrar, que numa tarde de ócio o levei à manutenção anual, sempre realizada no concessionário BMW, contava mais ou menos estes:
Sim. A fazer 20 anos, 17 mil kms.
Para além da revisão habitual de óleos e filtros segundo o plano da manutenção, um elevador do vidro electrico frente esquerdo (dava um estalo), troca das escovas limpa para brisas (ainda as originais que vinham com o carro) e uma cortesia segundo parece até ao final do mesmo agosto em manutenções programadas, a oferta de centros de roda oscilantes (???!!).
Bom, se era oferta que viessem, com pedido expresso que não os montassem e os colocassem na mala do carro. 1 - Não gosto de folclore, de centros oscilantes, de piscas que correm como o reclame do caesers palace, e demais parolices que hoje pululam pelos carros actuais. 2 - Gosto dos carros originais, pelo que os centros de jantes que vieram com o carro estavam para mim muito bem.
Tendo eu sublinhado este pedido, o que é que eles fizeram?
Montaram os centros!
Naturalmente que chegado a casa devolvi os ditos ao lugar:
Para a estante de memorabilia (Nabenabdeckung Feststehend??!!... Ma com'è bello l'Italiano, vero?). E montei os originais fixos que nunca deviam ter tirado:
Como pedi para me trocarem as escovas, porque estavam a fazer um pouco de ruido após 20 anos de poucos mas leais serviços, também levei com estas:
- Mas eu pedi para trocarem colocando exactamente as mesmas (não gosto destas escovas em carros que não as tinham de origem).
A resposta é que já não têm das outras (afinal também falham nas peças). Pedi para me devolverem as originais. Disseram-me que iam ver mas que provavelmente já tinham ido para o lixo. Não foram.
Limpei a estrutura, porque está nova, e vou procurar as borrachas para substituir. Em tempos comprei umas caixinhas delas no supermercado, que depois deixei de ver. Alguém sabe onde arranjar? Mal encontre, estas escovas voltarão ao lugar para os próximos 20 anos.
Posto isto, eis o que resulta de 20 anos de pouquíssimos quilómetros com muitíssimos cuidados:
...as matrículas são as de ida à inspecção. Na altura colocaram-se umas que se usavam com relevo e números mais pequeninos. Aqui ainda não estava com elas, voltaram para o lugar depois de tiradas as fotografias. Além disso não gosto das publicidades a stands na matrícula.
E voilá...como se ouve muito pelas praias por esta altura do ano. Um carro cujo valor vai integralmente para o que significa e não para o que vale. Com o simbolismo, uma vez mais da memória, e não da escolha, preferência ou substância. (não que o carrinho não seja competente. É bastante. Peca peloss 4 cilindros. Seria uma peça mais interessante do 20i para cima e com 2 cilindros a mais)
Por outro lado, é uma forma de validar como vivemos os nossos prazeres. A forma sempre presente de quem trata de carros velhos, mesmo com a passagem de um dia terem sido novos. É uma maneira de estar. Tanto mais evidente em produtos de limbo como este. Demasiadamente novo para ser velho. Velho de mais para ser novo. E que será sempre estimado, muito estimado (como todos) às minhas mãos.
Temos o caso aqui no Portal de um Pai que usa do automóvel clássico como testemunho para um filho que o recebe de lembrança. Poderia ser outra coisa qualquer. Mas foi um carro.
Temos outro caso, também aqui no Portal, para o qual ainda não encontrei prosa que o mereça (mas vou encontrar), de alguém que decidiu restituir à velha forma um objecto que representa uma viagem, uma memória, um conjunto de recordações e de vidas nele contidas sob a forma das coisas mais desinteressantes que 4 rodas podem ter. Um Renault 6. Terá mais valor até por isso.
No meu caso, não é novo nem é velho. Não tem valor de peça, nem tampouco é qualquer coisa exótica, interessante ou exclusiva. Este que aqui vêem era o carro do meu Pai. Quando digo era, digo-o com a felicidade do motivo ser ter outro e não mais este (pelo equívoco que a terminologia verbal "era" possa gerar). E de ser ele que vive sob a forma de carro que mais depressa me faz lembrar a unidade e a entidade que sou eu com ele.
Porque na verdade é de pessoas que gostamos. É de pessoas que lembramos quando particularizamos um determinado carro. É de pessoas com quem nos identificamos na pesonalidade e reflexo traduzido à expressão de um povo que individualizamos numa determinada filosofia de automóvel. E é de pessoas que trazemos à forma daquilo que gostamos na identidade colectiva de quem idealizou, onde se construiu e como a nós chegou o carro da marca que escolhemos.
Corria o ano de 2000, teria eu os meus 18 anos quando este exemplar chegou a casa. Comprado novo na Baviera - Porto, levantado no dia 29 de Setembro desse mesmo ano, numa sexta-feira.
Este carro é a soma do desejo circunstancial do meu pai por um Mercedes e do meu por um Alfa Romeo 156. Ficou no meio caminho destes dois, sendo desde então a marca que o meu pai conduz até hoje, daqueles que lhe sucederam. Quando foi ponderada a troca, acabei por ficar com ele por oferta do meu Pai pelo pouco valor de mercado que representava na dita troca.
É o único carro (na verdade não é o único, porque passou a ser hábito desde então, mas digamos o único que não é novo) que por ter acompanhado desde o primeiro interesse até à data conservo catálogos, tabela de preços e opcionais, factura de compra, ofertas do concesionário (porta chaves + relógio), todas as factuas e manutenções que realizou até à data.
E é justamente na antecâmara efeméride dos 20 anos prestes a celebrar, que numa tarde de ócio o levei à manutenção anual, sempre realizada no concessionário BMW, contava mais ou menos estes:
Sim. A fazer 20 anos, 17 mil kms.
Para além da revisão habitual de óleos e filtros segundo o plano da manutenção, um elevador do vidro electrico frente esquerdo (dava um estalo), troca das escovas limpa para brisas (ainda as originais que vinham com o carro) e uma cortesia segundo parece até ao final do mesmo agosto em manutenções programadas, a oferta de centros de roda oscilantes (???!!).
Bom, se era oferta que viessem, com pedido expresso que não os montassem e os colocassem na mala do carro. 1 - Não gosto de folclore, de centros oscilantes, de piscas que correm como o reclame do caesers palace, e demais parolices que hoje pululam pelos carros actuais. 2 - Gosto dos carros originais, pelo que os centros de jantes que vieram com o carro estavam para mim muito bem.
Tendo eu sublinhado este pedido, o que é que eles fizeram?
Montaram os centros!
Naturalmente que chegado a casa devolvi os ditos ao lugar:
Para a estante de memorabilia (Nabenabdeckung Feststehend??!!... Ma com'è bello l'Italiano, vero?). E montei os originais fixos que nunca deviam ter tirado:
Como pedi para me trocarem as escovas, porque estavam a fazer um pouco de ruido após 20 anos de poucos mas leais serviços, também levei com estas:
- Mas eu pedi para trocarem colocando exactamente as mesmas (não gosto destas escovas em carros que não as tinham de origem).
A resposta é que já não têm das outras (afinal também falham nas peças). Pedi para me devolverem as originais. Disseram-me que iam ver mas que provavelmente já tinham ido para o lixo. Não foram.
Limpei a estrutura, porque está nova, e vou procurar as borrachas para substituir. Em tempos comprei umas caixinhas delas no supermercado, que depois deixei de ver. Alguém sabe onde arranjar? Mal encontre, estas escovas voltarão ao lugar para os próximos 20 anos.
Posto isto, eis o que resulta de 20 anos de pouquíssimos quilómetros com muitíssimos cuidados:
...as matrículas são as de ida à inspecção. Na altura colocaram-se umas que se usavam com relevo e números mais pequeninos. Aqui ainda não estava com elas, voltaram para o lugar depois de tiradas as fotografias. Além disso não gosto das publicidades a stands na matrícula.
E voilá...como se ouve muito pelas praias por esta altura do ano. Um carro cujo valor vai integralmente para o que significa e não para o que vale. Com o simbolismo, uma vez mais da memória, e não da escolha, preferência ou substância. (não que o carrinho não seja competente. É bastante. Peca peloss 4 cilindros. Seria uma peça mais interessante do 20i para cima e com 2 cilindros a mais)
Por outro lado, é uma forma de validar como vivemos os nossos prazeres. A forma sempre presente de quem trata de carros velhos, mesmo com a passagem de um dia terem sido novos. É uma maneira de estar. Tanto mais evidente em produtos de limbo como este. Demasiadamente novo para ser velho. Velho de mais para ser novo. E que será sempre estimado, muito estimado (como todos) às minhas mãos.
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