Alfa Romeo GT - Unicórnio

Ora bom, quis o destino que esta história começasse assim:

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Confuso? Nem por isso.

Este carro veio-me parar às mãos por uma dívida incobrável. Sabe bem quem me conhece que a minha garagem é povoada por outras castas, e foi até interessante privar cerca de um ano com o exemplar acima.

Serviu acima de tudo para confirmar tudo aquilo que pensava. A coisa até nem é má, mas ficou sempre a sensação de se tratar de um casaco que nunca caiu bem no corpo. O tecido é bom, o corte até não era dos piores, os acabamentos bem executados e o padrão nunca comprometeu. Mas quando olhava para o espelho com ele vestido, ficou sempre a imagem de outra pessoa que não eu. E por vezes é mesmo bom trocar olhares com outra,... para confirmarmos que efectivamente quem temos em casa nos seduz e desafia todos os dias bem mais do que uma troca de olhares na caixa de supermercado com a loira que chocou connosco na secção de ménage. O tempo passou... e passando vingou a ideia de converter o pequeno Porsche numa parte recuperável capaz de pagar parte da tal dívida nunca paga. Isto porque de Arese já moram uns quantos na garagem, e mais um da Baviera (oportunamente deixarei o registo de cada um deles aqui...ou ali nos mais antigos no caso de alguns). Portanto o plano não passava de todo por acrescentar membros à família, mas de converter a posse em alimento para as montadas que já vivem em outras garagens.

Acontece que quem padece desta infeliz condição de voyeur automóvel, de andar sistematicamente nos sites do costume a ver o que não deve, acaba invariável e fatalmente como o destino em acrescentar disparate ao já disparatado e pouco racional plano de encher garagens.

Volta e meia estes passeios vagabundos pelos cantos da net, acalentavam a secreta esperança de encontrar um 916 GTV 3.0 V6. A missão era de difícil execução pela raridade do espécime, e dai a tranquilidade com que vagueava pelos tais cantos do costume, pois estava bastante consciente da probabilidade de insucesso na materialização do desejo. Foram muito poucas as unidades vendidas, ficando a cargo do 2.0 V6 turbo a maioria dos 916 Busso que se encontram no mercado nacional... e eu até já tenho um 2.0 V6 Turbo e Busso, mas montado noutra longuilínea criatura de 4 portas da marca de Arese (será formalmente apresentada como convém num outro tópico a respeito).

Ora se de um unicórnio se tratava, um outro mais raro ainda acabaria por dar à costa. Neste caso não seria o 3.0 V6 aspirado, mas antes a última iteração deste, o 3.2, o último da linhagem do célebre violino de Arese. E se no caso do 916 GTV as unidades vendidas em mercado nacional foram poucas, neste caso que se saiba foram 2, trazidas pelo importador para o nosso mercado a pedido, tanto que o modelo não figurava no portfólio de venda do modelo em Portugal.

A assim repouso os olhos nisto:

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(Continua...)
 
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Miguel Gomes Dinis
... ora, repousar os olhos nisto não é propriamente incomum. O GT foi o sprint dos tempos modernos (e oh, como eu adoro o Sprint. Esse já foi apresentado há muito tempo, mas há que chamá-lo de novo ao convívio) e apesar do desenho feliz, com aquele oculo traseiro inspirado na belíssima Giulietta Sprint (desenhada na mesma casa há 70 anos atrás!!), a verdade é que não é raro vê-lo deambular pelas estradas, nas mundanas versões a gasóleo 1.9JTD de 150cv, quase sempre de vestes pretas ou cinzentas. E foi aqui que o olhar me prendeu por um segundo momento. Parecia um Blu Nuvola, a cor que melhor veste o 156 e o Gt. Parecia, mas não era. E não era porque na sequência de fotografias a cor parecia sempre a mesma, por isso só podia ser um Azzurro Gabbiano. E era. E que bem lhe ficava. Por dentro a cor creme dos estofos denunciava um conjunto não propriamente desportivo, mas elegante. Não sugeria pegar-lhe pelos colarinhos, mas antes disso convidá-la para dançar.

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Posto isto, o convite mental estava feito. "A menina dança?" Pensei. E dançou.
Rasgou as vestes florais, mostrou o peito com volúpia levantando a saia até não mais do que é decente ficar à vista...

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... o rímel vermelho nas generosas pinças, os saltos de 18 polegadas Toora, 2 brincos redondos e tubulares do lado esquerdo...seria??! Só podia ser!! E eis que...

(Continua...)
 
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Miguel Gomes Dinis
... e era!

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Aquele cofre de motor que conheço tão bem do 147 (mais um a apresentar à família), com o pequeno 1.6 TS tão anémico e tímido a nadar no meio da frente, desta vez encorpado e cheio de peito com aqueles arrogantes colectores a dar cavalos e a tirar razão.

A senhora (ainda não nos conhecíamos nem havíamos sido formalmente apresentados. A tez era jovem, o coração de linhagem e família, estreado no Alfetta GTV há umas década atrás com 2.5 de fôlego. Tal municiava um aparato que implicava ainda um mínimo de distância e algum respeito. Prefiro tratá-la assim), dizia, a senhora estava disponível. Eu traio as minhas companheiras de garagem como quem corta cachos de uva na vindima, e elas sabem. Mas atenção. Fica tudo em família! "E aquilo do Porsche?" Então não disse já que a coisa veio ter comigo e que nunca a procurei? Em ano e tal de convívio não lhe cheguei a tocar perna tal foi sempre a nossa distância. "Então e o bávaro? Não disseste que tinhas um bávaro?". Eh pá NÃO INTERESSA!!!... Mas querem ler o resto da história ou não??! ... bom...

...continuando, trair Alfas com Alfas não conta para a contabilidade e diz até que faz bem. Que é um estímulo para nunca ficar curado. A tal coisa do vírus. Somos felizes assim, e advogamos o poliamor no que a automóveis diz respeito. Mas atenção. Só funciona e só se aceita com Alfas. Tolera-se com italianos em geral!

Bom, dizia eu que não se nos conheciamos. A senhora estava disponível, alguém achou que devia expô-la assim a quem a quisesse ver. Um "chuleco" qualquer que achou por bem fazer disto negócio. Eu...bem, eu estou sempre disponível! Era meia noite e qualquer coisa de uma quinta-feira, pelo que não me pareceu nada precipitado ir ao local onde se encontrava na sexta-feira de manhã seguinte. Também me pareceu normal não dormir o resto da noite, afinal este frémito e temor de véspera de primeiro encontro com donzelas desta família já aconteceu aí uma dezena de vezes. Portanto pareceu-me, mais uma vez, perfeitamente adequado escassas 8 horas depois do primeiro impacto da noite anterior, plantar-me à porta do "stand" (chamam "stands" a estas coisas onde prostituem carros no meio de outras coisas que vendem lá. Também lhes chamam carros, mas a maioria não são.).

(Continua...)
 
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Miguel Gomes Dinis
... e plantei-me então à porta do dito estabelecimento eram nove da manhã do dia seguinte.

Está o sujeito à abrir a porta lentamente, com o gesto plácido que já repetiu muitas manhãs. Aplico algum vigor na entrada. Quero ver a Bella Donna...

- Bom dia, quero ver o Alfa por favor. O GT.

- Está ali, vou buscar a chave.

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...traz a chave.

- Posso ligar para ouvir o motor?

- Pode claro, isto é uma máquina...

(Paleio de chacha para encher chouriço que levanta pelo na vértebra de um qualquer, que tenha interesse noutro carro qualquer que partilhe espaço qualquer e seja do mesmo dono... não caríssimo, não é um máquina. Máquinas são as nespresso. Isto é um carro normal com um motor especial... melhor calar e ouvir o V6)

- ... parece um relojinho!

- Pois, exacto... (seguiu-se uma série de lugares comuns e box ticking de coisas da praxe que este tipos precisam de exortar para continuar a dialogar e desbloquearem parava parte que interessa) ... e também tenho uma retoma para dar à troca.

- Qual?

- Este:

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- Ah, sim senhor. Consegue mandar fotos do carro? O Sr. fulano é o dono do "stand" e neste momento não está. Mas ele liga já consigo daqui a pouco tempo.

- Muito bem. O patrão vai gostar. Eu sou um dos 10 que quer isto e ofereço em troca um mercado muito mais amplo do que 10. Há mais a querer isto. Um carro bestial, vai servir muito mais a quem goste de cabrios. (Eu tenho um cabrio, membro da família do poliamor com quem traio outras raparigas de melhor porte, e vai valer a pena falar dele, porque eu efectivamente não gosto de cabrios. E este em particular conseguiu aniquilar o que o modelo de base tinha de bom. Por isso é que gosto dele. Também é por isso que o detesto. Bom, quanto ao Boche, fanfarronei um bocado... de tal forma que começei a sentir-me mal por estar quase no limiar de utilizar o termo "máquina " para comunicar de forma convincente e espadaúda com o "standeiro")

(Continua)
 

HugoSilva

"It’s gasoline, honey. It’s not cheap perfume."
Eventos Team
Cá está um grande fetiche meu, acho o carro lindo, apenas ultrapassado pelo Brera que infelizmente tem mais pontos de crítica negativa que este GT. Considero ambos excelentes oportunidades falhadas para a Alfa mostrar às restantes construtoras como se metem corações a bater mais forte mesmo antes de ligar o motor e começar a espremer rotações.

Ao contrário do Brera Este GT começa agora a aparecer a preços muito tentadores, não há nada neste segmento mais palpitante onde se possam enterrar 8 ou 9K's mas infelizmente 95% dos exemplares são os competentes JTD pelos quais por estas bandas, ninguém se interessa.

Fico curioso pelas primeiras impressões na estrada, segundo percebo alguns carros vinham com jante de 18" com pneu de baixo perfil que se revelam uma péssima escolha pois o carro com a conjugação certa acho que curva muito bem, muito composto e agarrado ao asfalto :rolleyes:
 
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Miguel Gomes Dinis
Cá está um grande fetiche meu, acho o carro lindo, apenas ultrapassado pelo Brera que infelizmente tem mais pontos de crítica negativa que este GT. Considero ambos excelentes oportunidades falhadas para a Alfa mostrar às restantes construtoras como se metem corações a bater mais forte mesmo antes de ligar o motor e começar a espremer rotações.

Ao contrário do Brera Este GT começa agora a aparecer a preços muito tentadores, não há nada neste segmento mais palpitante onde se possam enterrar 8 ou 9K's mas infelizmente 95% dos exemplares são os competentes JTD pelos quais por estas bandas, ninguém se interessa.

Fico curioso pelas primeiras impressões na estrada, segundo percebo alguns carros vinham com jante de 18" com pneu de baixo perfil que se revelam uma péssima escolha pois o carro com a conjugação certa acho que curva muito bem, muito composto e agarrado ao asfalto :rolleyes:

O Gt foi projectado como, e para ser, tracção à frente. O Brera nasceu de um brilhante concept tracção atrás que foi distorcido pelo pouco dinheiro e imperativos de mercado na sinergia total com a berlina familiar e sw de grande volume comercial 159. Pior do que isso, e falando com substantivo conhecimento do produto, aqui mora uma 159 sw que é basicamente a mesma coisa. É mais equilibrada que o Brera visualmente falando, pelo menor grau de compromisso e dependência de proporcionalidade determinado pelo eixo de tracção. É um projecto demasiadamente híbrido e reflexo da organização projectual que lhe deu origem, pelo que se torna excessivamente indefinido, e demasiadamente impessoal. Até o pobre 147, que de Alfa Romeo já não tem muito, obedece a um rigor personalista bem mais determinado do que o 159/Brera. Nasceu como projecto para um Saab, pelas mãos da GM, com equipas da Opel, assumido pela Fiat para ser um Alfa Romeo... correu bem? Não! É demasiadamente pesado, pouco ágil, rígido mas com poucos reflexos em transferências de massa e com o V6 Holden com uma capa de plástico assinada Alfa Romeo é um atentado com paralelo ao Arna que merece um lugar esconso nas caves do museu, apenas para lembrar que as histórias mais encantadoras são vívidas e carnais quando apanham escolhos pelo caminho.

Quanto às jantes, no V6 eram de série as Toora em 18, e opcionais as raiadas creio que speedline de 17 que saiam nas versões GTA do 147/156 em alternativa às maravilhosas jantes de 5 bolas que vinham no modelo por defeito. Concordo que oferecem mais à dinâmica do que as 18 entregam pela estética.
 
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Miguel Gomes Dinis
(...)

Passou-se imenso tempo desde então. Talvez menos de um dia, até falar com o dono do coiso, lá do stand. Palavra puxa palavra e decidiu-se ir ver o Porsche.

- Isto está bom - diz o "standeiro" - não posso dizer que não esteja. Em que é que estaria a pensar para fechar negócio?

- Está bestial, está. Tem Hard Top, o meu amigo vende isto num piscar de olhos. Dadas as características de um e de outro, e as vantagens que cada um representa que sendo diferentes se equilibram eu diria que uma troca por troca me pareceria justa - Na verdade só não queria gastar dinheiro. Verdade seja dita que o valor do Gt é difícil de apurar por fala de amostra. Existe mais um à venda, curiosamente dos 2 nacionais, cujo preço andaria sensivelmente pela mesma bitola. Seria um bom negócio para mim. É sempre na verdade, mesmo quando perco dinheiro mas trago o que quero...

- Teria que receber o Porsche mais X.

- Não, nem pensar. Foi o coração que me trouxe aqui. Mas vai ser a razão que me vai fazer sair, por isso o máximo, e para não perdermos tempo seria o Porsche + X/3 - Fui convincente, a voz estava forte e segura. E o menos do metro e setenta bem planados no chão. Pelo menos assim pareceu por fora. Não o era seguramente por dentro.

- Não posso. Não posso mesmo. Teria que receber pelo menos 2X/5 +100-(1/10+90). Este Alfa é mesmo para si. Eu já percebi que o quer. - Pois percebeste... O problema é exactamente esse. - Blá, Blá, Wiskas Saquetas, eu também colecciono, e comprei 2 Turbié, porque não consegui não ficar com eles. E quando o coração comanda... wiskas saquetas ... fazer negócio!!

- Já lhe disse que não. Sou flexível no caminho, mas sólido nas decisões! - as pernas a tremer mas as calças eram largas e escondiam o movimento trémulo dos joelhos... - Bom, daqui saímos cada um para seu lado. X/5+50 x Cos. π !

Suávamos os 2... E juro que não fizemos nada que nos envergonhasse se fosse feito fora de portas.

- FECHADO! Vamos ao coiso lá do Stand tratar das formalidades?

- Não posso, tenho compromissos inadiáveis par os quais já estou atrasado. Dê-me o NIB para fazer a transferência do sinal no valor de cos. π , e na próxima segunda feira tratamos das burocracias e da logística da troca.

- Combinado. - E lá seguiu o "standeiro" estrada fora... estávamos mais perto!

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(continua...)
 

JorgeMonteiro

...o do "Boguinhas"
Membro do staff
Premium
Portalista
Estou a adorar a novela.

Confesso que pelo carro não viria aqui. Se passasse por mim não rua não saberia distinguir de um JTD. Falta-lhe o efeito "show off"

Mas a prosa é excelente e fico impaciente à espera do próximo episódio. :thumbs up:;)
 
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