O Sonho E A Obra - 1948 - A Corrida Continua

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Mil novecentos e quarenta e sete terminara com uma série de vitórias a confirmar que a decisão de Enzo Ferrari de optar por um motor de doze cilindros, embora arriscada no ponto de vista financeiro, foi compensadora no aspecto técnico.

Esta configuração permitia o desenvolvimento progressivo e um aumento gradual da cilindrada sem demasiados riscos.

Em 1948, desenvolve-se um novo modelo, o 166, com o motor levado ao limite de cilindrada de dois litros, graças ao aumento do furo e do curso para 60 x 58 mm.

Desenvolveram-se várias versões do novo modelo que iam do 166 sport ao F2 passando por outros entre os quais o 166 Mille Miglia com guarda-lamas e faróis removíveis.

Todos os carros tinham o mesmo chassis tubular feito de tubo de secção oval e a sua arquitectura era substancialmente a mesma o que, combinado com a inter mudança dos componentes, era um segredo que permitia a possibilidade de preparar vários modelos diferentes de desporto e turismo.

A preparação do 166, não fazia esquecer o trabalho no 125C com vistas a poder enfrentar a fórmula 1.

Esta, tratava-se de uma viatura com 1496,77 cc, cambota de manivela com sete apoios, carburador Webber 50WCF e um compressor do tipo Roots de simples estágio rodando a 1,22 vezes a velocidade do motor elevando a potência deste a cerca de 225 cv a 7 000 rpm, com o diâmetro dos pistons de 55 x 52,5.

Enzo Ferrari era o único responsável de uma equipa muito fiel que tinha na direcção técnica Aurélio Lampredi, com a supervisão, durante algum tempo, de Gioachino Colombo.

Mas o carácter forte destes dois homens originava que nem sempre estivessem de acordo e Ferrari decidiu dar todo o apoio ao novo recruta o que se provou ser uma decisão acertada.

ACTIVIDADE FRENÉTICA
Em 1948, a Ferrari participou, directa ou indirectamente, em 28 corridas, exactamente o dobro daquelas em que participara em 1947, com presenças além de Itália, na França, na Suécia, em Monte Carlo e em Espanha.

A primeira corrida proporcionou logo a primeira vitória da época no primeiro Targa Florio do pós guerra, uma competição duríssima de 1 080 quilómetros realizada na Sicília e onde se impôs um dos três carros, o 166 S de Clemente Biondetti, que fez equipa com o príncipe russo Igor Troubetzkoy proprietário da viatura, enfrentando forte concorrência feita pela Cisitália, Maserati, Fiat e Alfa Romeo.

Lampredi consegue inscrever dois 166 S nas Mille Miglia, que se realizaram a 2 de Maio, obtendo uma vitória de ressonância internacional quando Clemente Biondetti fazendo equipa com Giussepe Navone cortou a meta em primeiro lugar numa berlineta com carroçaria feita na Alemanha.

Para além dos 121 quilómetros de média horária, conseguiu que a sua velocidade média fosse 11 km/h superior ao do segundo classificado, dando uma clara ideia do potencial do 166.

O outro 166, descapotável, foi entregue a Tazio Nuvolari que fazia aqui as suas últimas Mille Miglia devido ao seu debilitado estado de saúde.

A sua perícia e determinação superou todos numa fantástica subida de Brescia em que conseguiu uma vantagem de 29 minutos sobre Biondetti e destruindo praticamente o carro que chegou mesmo a perder o assento, substituindo-o por uma caixa de laranjas.

Quando fazia o reabastecimento em Vila Ospizio, Ferrari reparou que Nuvolari estava exausto, tossindo e cuspindo sangue e tentou persuadi-lo a desistir dizendo : “Coragem Tazio, será para o próximo ano”, mas ele respondeu: “Ferrari, dias como este, na nossa idade, não se repetirão. Recordá-los com saudade é no fundo o que nos resta” e continuou a pressionar o carro até ficar sem travões já perto de Parma. Impedido de sair do carro pelo seu próprio pé, devido ao estado de exaustão em que se encontrava, foi socorrido por um padre que o deitou numa cama.

Nesse mesmo domingo, Sommer conduzindo um 166 no Grande Prémio das Nações, em Genebra, termina em terceiro lugar atrás dos Maseratis conduzidos por Farina e De Graffenried.

A 16 de Maio, o 166 estreia-se em Mónaco conduzido por Igor Troubetzkoy que bateu na volta 58.

Depois de duas corridas sem ganhar, a Ferrari apresenta-se em força no Grande Prémio de Bari com seis viaturas, sendo uma delas nova para substituir a de Troubetzkoy que, devido ao acidente em Monte Carlo, ficou bastante danificada.

A prova foi ganha por Chico Landi, um piloto brasileiro que espalhava energia e alegria por onde passava.

A 30 de Maio, com a vitória de Biondetti em Estocolmo, a Ferrari conquista o seu primeiro triunfo no estrangeiro.

Duas semanas depois, a 13 de Junho, a equipa com seis carros chega a Mantua para a segunda edição de uma prova que foi também de homenagem aos filhos de Nuvolari, Alberto e Giorgio, desaparecidos prematuramente.

Tazio estava presente, alcançou o melhor tempo na qualificação e comandou a corrida durante algumas voltas antes de ser obrigado a desistir devido ao agravamento da sua doença pulmonar.

Esta foi a sua última corrida na Ferrari.

O desenvolvimento do monoposto de fórmula 1 fazia-se lentamente e, assim, para a terceira edição do Grande Prémio de San Remo foi apresentado um monoposto F2 tripulado por Sommer que conquistou um brilhante quarto lugar apesar de ter terminado com o diferencial danificado.

Entre Julho e Agosto, os 166 de vários modelos participaram em sete competições desde o Grande Prémio de Berna na Suiça ao Grande Prémio de Albigeois em França, adquirindo experiência mas nenhuma vitória.

No Grande Prémio de Itália, em Turim a 5 de Outubro, dá-se finalmente a verdadeira estreia do 125 de fórmula 1 com a presença de três viaturas confiadas a Giuseppe Farina, Raymond Sommer e ao príncipe Birabongse Bhanuban do Sião que ficou mais conhecido como Bira.

A prova disputou-se na pista molhada do Parque Valentino e, de início, Farina conseguiu contestar a supremacia dos Alfas mas acabou por se despistar e bater.
Bira desistiu por avaria no eixo de transmissão e Sommer não conseguiu mais que um terceiro lugar atrás de Wimille em Alfa que ganhou e de Villoresi em Maserati que se classificou em segundo.

No domingo seguinte ao Grande Prémio de Itália, Luigi Chinetti, com o 166, ganha as 12 Horas de Paris.

A primeira vitória do 125 F1 veio pouco depois quando Farina triunfou na pequena prova do Circuito del Garda apoiado pela equipa completa dos 166 conduzidos por Ferdinando Riguetti, Bruno Sterzi, Clemente Biodentti, Igor Troubetzkoy, Soave Besana e Bracco, sendo alguns proprietários dos carros mas que se podiam considerar colaboradores da Ferrari.

A época terminou com um novo feito. Luigi Chinetti rolando no Autódromo de Monthlery, perto de Paris, numa pista com as curvas inclinadas, estabelece com o 166 as novas marcas para 100 e 200 milhas à média horária de 200 km/h num carro de apenas dois litros de cilindrada,
Após as actuações, os automóveis eram sujeitas a um desenvolvimento contínuo o que viria a permitir que, no ano seguinte, se apresentasse um modelo renovado nas suas características principais.

ESTRATÉGIA COMERCIAL
Que a empresa não podia sobreviver apenas com as receitas dos prémios era um facto que Enzo Ferrari, com a prática de vinte anos de negócios, sabia perfeitamente.

Em consequência disso, elaborou uma estratégia de vendas baseadas nos resultados desportivos não só dos seus pilotos profissionais como, igualmente, dos seus clientes que se destacavam.

Um, o príncipe Igor Troubetzkoy, marido da milionária americana Barbara Hutton, era o ideal para essa finalidade, assim como os industriais italianos irmãos Besana e Marzoto eram outro apoio precioso.

Outro ponto não descurado foi sempre a comunicação através de encontros e distribuição de documentação pelos jornalistas. E, embora o relacionamento nem sempre fosse pacífico, as conferências de Enzo tinham sempre boa assistência.

A terceira faceta da estratégia comercial era o controle muito cuidado por parte de Enzo sobre as especificações técnicas que deveriam ser reveladas na informação distribuída à imprensa.

Os numerosos modelos do 166 permitiam avaliar, através do seu anúncio, o longo trabalho produzido.

Conhecem-se, pelo menos, quinze catálogos diferentes o que é espantoso se considerarmos que deste modelo resultou apenas a venda de uma centena de unidades, entre sports, turismos e monopostos, no período de 1948 a 1953.

O primeiro catálogo datado de Modena, Dezembro de 1947, refere-se ao modelo 166 e trata-se apenas de um pequeno folheto dobrado mas cujos poucos exemplares existentes têm um valor apreciável.

O folheto, além das características, tem a fotografia do carro que ganhou o Grande Prémio Internacional de Turim realizado a 12 de Outubro de 1947 com um motor tipo 159 conduzido por Sommer.

Os catálogos que se seguiram tiveram mais ou menos o mesmo aspecto mas com modelos diferentes e descrevendo as melhorias de versão para versão.

No entanto, o último catálogo é diferente e marcado por uma nova fase mais imaginativa. Dedicado ao modelo Mille Miglia, trata-se de uma folha impressa a cores com algumas fotografias de uma “berlineta” e de um “spider”, com alguns elementos completamente novos como o do motor dotado de três carburadores de quatro corpos.

Além de vários catálogos, a Ferrari publicou ainda uma revista com dois únicos números de Maio e Junho, com os objectivos da escuderia e como isso se transformou numa realidade industrial.

SALÃO AUTOMÓVEL
O último grande evento de 1948 foi a mostra do motor realizada em Turim, em Setembro, e onde a Ferrari se apresentou, pela primeira vez, com duas viaturas com carroçarias feitas em Turim, um “cupê” e um “spider” alcunhado pela imprensa de barqueta, designação que só se tornaria oficial passadas algumas décadas.

O “cupê” era um exemplar de quatro lugares, exemplar raro realizado num chassis Ferrari antes de 1960 e, conservado ainda hoje em perfeito estado, pertence à colecção da empresa.

PRODUÇÃO E VENDAS
Em 1948 iniciou-se a produção e venda directa aos clientes e o número de cinco unidades que figuram nas estatísticas dedicadas aquele ano referem apenas os carros vendidos pois se considerassem os de corridas utilizados pelo “Cavallino” o número seria, certamente, superior.

Naquele período começaram os trabalhos de ampliação da fábrica de Maranello que continuaram nos anos seguintes devido as exigências contínuos de novos espaços para os novos projectos.

Além das primeiras vendas directas a clientes, Ferrari começou a pensar na possibilidade de concessionárias na Itália e na Europa, enquanto Luigi Chinetti, com os seus extraordinários resultados, lançava as bases para levar a marca para os Estados Unidos.

A SAGA CONTINUA E O "CAVALLINO" COMEÇA A IMPOR-SE NO MUNDO

NOTA: Este “post” é um resumo livre e aumentado do capítulo respeitante ao ano de 1948 da obra “L’Opera e il Sogno”.
 

Anexos

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