O prazer da condução....

O prazer de condução de um pequeno desportivo descapotável.

O dia amanheceu lindo.
Há semanas no estrangeiro as saudades do meu TriumphTR 4 Surrey Top, são enormes.
Penso…Hoje vou com ele para o emprego! São 25 quilómetros. Cidade, via rápida e estrada sinuosa.
Precisa de andar e acamar o motor.
Assim o pensei, assim o fiz!
Abro a garagem e deixo o Sol, a jorros, iluminar o meu adorado carrinho.
Dou-lhe a volta embevecido…sempre tem 45 anitos….Respeito!!!
Pega á primeira, e aquele ronronar e trepidar do chassis, fazem-me abrir um sorriso.
Acendo uma cigarrilha…aperto o blusão. Vamos a isto. Marcha atrás e saída para rua cheia de trânsito aquela hora. Quase não é preciso olhar para a retaguarda. Tudo pára para me deixar manobrar…respeito pela maravilhosa pequena máquina. Transeuntes abrandam o passo para olhar….
Vamos a isto, nada de grandes aquecimentos pois estas máquinas devem ser aquecidas em andamento e não estáticas…dizem os livros!
Deslizo pela marginal da cidade, metido no trânsito apressado das 8,30 da manhã….devagar…não tem problema, estou a aquecer a máquina e ainda estou nos 30º.
Nas esplanadas e dentro dos carros, as cabeças viram-se….
Se os compreendo! Sonhei como eles até aos 56 anos para ter o carrito dos meus sonhos de jovem adolescente….
Abre-se a via rápida, vamos a isto!
Aceleração viva e passagens de caixa suaves…o vento entra a rodos no compartimento e revolve-me o cabelo. O cheiro a motor quente e a cabedal fazem-me recordar outros tempos..
O cantar do motor, envolve-me…. A suave vibração do chassis transmite-se ao meu corpo, alcanço os 120 às 4.000. Engato o over-drive, fazendo cair as rotações para as 2.700 rpm. Vigio os manómetros, água mantém-se baixa, (não uso diafragma), pressão nos 80 kg, estamos bem….uma pequena entrada de fumo penetra pelo chão no buraco do travão de mão, situado aos pés do pendura…nada de preocupante…óleo de pequena fuga de junta de motor, pinga no escape a ferver e volatiliza-se….Estamos a acamar, eu e o carrito…Vai passar em breve…Estou certo.
Concentro-me na estrada, subindo suavemente a rotação e a velocidade, mas sem lhe abrir as goelas….o longo capôt estremece com a forte corrente de ar ascendente. Nem 500 quilómetros tem, depois da abertura do motor.
Sou ultrapassado por dois rapazes de boné de basebol, num Peugeot 206 Tunning…apitam-me, e dos dois lados do carro saem dois braços com os polegares espetados para cima. Belo…sabem o que ultrapassaram! Respondo-lhes com o mesmo sinal.
A via rápida acaba, entramos na estrada sinuosa de excelente piso…Vamos brincar? – pergunto eu, com um sorriso, ao meu carrito.
Desligo o over–drive. Agarro melhor aquele fino volante em cabedal de grip difícil, mas lindo de morrer.
Começam a chiar os pneus Michelin nas curvas. Entro a matar. O carro adorna mas corresponde, há que inserir bem a longa frente na curva e depois dar-lhe a potência suavemente…aparece uma apertada, vamos a uma desmultiplicação com ponta e tacão sem deixar cair a rotação…que linda contra brecagem….
Olho nos manómetros…tudo bem, mais algumas curvas longas e rápidas, com o cantar lindo daquele dois litros, dois carburadores Stromberg sem mariquices nem catalisadores….
Aproxima-se a empresa…que pena….vamos abrandar….deixemo-lo respirar e arrefecer….entra num ronronar baixinho…que delícia.
Cabelo revolto, sorriso nos lábios estaciono…Colegas meus a chegar, saindo dos seus carros, vêm-me cumprimentar e admirar o carrito.
Está bem…prometo deixá-los experimentar..Não sou ciumento e sou um mãos largas…Porque não compartilhar os pequenos prazeres da vida?
Até logo carrinho…Obrigado. Adorei esta tua entrega. Vou trabalhar feliz.

CB
 

Hugo Ferreira

Clássico
muito boa a historia. parabens. aproveito para perguntar uma coisa que leio muitas vezes e nunca percebi o que e. a contra brecagem? nao faço ideia o que e isso
 
OP
OP
Carlos Ferreira Barbosa
Brecagem é a capacidade de um carro virar para qualquer dos lados, medida pelo diâmetro de um circulo completo com a direcçaõ trancada. Serve para analisarmos por exemplo a capacidade de uma viatura inverter a marcha sem precisar de parar ou inverter a marcha.
Contra brecagem é o acto de virar a direcção para o exterior da curva para corrigir a trajectória da frente do carro, quando entrámos rápido demais na curva e a traseira começa a derrapar, iniciando um peão. Há que compensar com a direcção e conforme o carro é de tracção atrás ou à frente, assim se vai acelandro suavemente nos de tracção à frente para "puxar" a frente na direcção correcta da curva, para onde estamos já a apontar as rodas....Experimentar fazer isto em campos de futebol de terra batida dá muito treino e à vontade para situações imprevistas de abuso nosso ou para piso molhado..
Não sei se me fiz explicar, mas há aqui concerteza, gente muito abalizada para explicar melhor. Eu fui piloto de raids e motos quatro, portanto não sou especialista em gincanas automóveis...onde aí sim, vemos os pilotos a fazer 2escorregar" as traseiras, conforme o pretendido...
 

Nuno Andrade

Pre-War
Carlos Ferreira Barbosa disse:
Não sei se me fiz explicar, mas há aqui concerteza, gente muito abalizada para explicar melhor. Eu fui piloto de raids e motos quatro, portanto não sou especialista em gincanas automóveis...onde aí sim, vemos os pilotos a fazer 2escorregar" as traseiras, conforme o pretendido...

Não não, está óptimo... ;)

cumprimentos.
 

Dias Gonçalves

Abílio Gonçalves
Excelente texto sobre um verdadeiro roadster, com o prazer da condução a não ser beliscado pela electrónica

Lembrou-me bem da primeira vez que andei com o meu Spitfire de capota aberta, em que pareciamos o centro do mundo. A sensação de espaço e a diferente percepção do que nos rodeia, particularmente do som do espaço aberto é mesmo uma experiência única.


Nota: apesar dos clássicos serem aquecidos em movimento, como mandam os livros, convem manter um termostato adequado de forma a permitir atingir a temperatura ideal de funcionamento mais rápidamente, particularmente no Inverno
 
OP
OP
Carlos Ferreira Barbosa
Pois é caros amigos.
Passei-me da cabeça e vou fazer um Rally de Clássicos.
Imaginem 250 km , três sectores, um nocturno , cinco provas de regularidade, um troço de velocidade e um de cones extenso e com três passagens. Esta organização não brinca...Lá vai o meu carrito dar ao litro....e eu relembrar um bocadinho o que é competição e prazer de conduzir.
A última em que me meti, e que eu considerei a despedida das competições, foi um raid em moto quatro. Foram seis horas a dar ao litro, com muita montanha e aqui o velhadas a bater-se com os putos de 20 anos. Ía morrendo...as moto quatro com dão cabo do canastro de um homem. Eu na altura fazia ginástica três vezes por semana, mas ao fim de um par de horas a levar pancadas secas nos braços e na coluna, já estamos todos rotos. Eu só parava nas ambulâncias a pedir aspirinas...
Toda a vida fui um motard e competi em motos...não tem nada a ver. Por isso ganhei uma enorme admiração pelos malucos que fazem o Dackar em moto quatro.
Bem, por agora é tudo, eu depois conto como se bateu o meu velho carrinho com 45 anos contra os tubarões inscritos, BMs, Mantas, Escorts RS 2000 etc.
 

Miguel Menezes

Sumybraga
Linda descrição do que o verdadeiro prazer de conduzir um roadster Inglês, pelo menos é o que eu conheço, a mim só me falta o prazer da economia do overdrive.
 

Filipe Vitorino

papaboa e histórico - GMR
Que espectáculo de relato...

Fez-me lembrar "OS MAIAS"...

Com tão boa descrição de pormenores e movimentos, deu para ir ao lado do piloto e ver todo o caminho...

Obrigado e Parabéns!!!!
 
OP
OP
Carlos Ferreira Barbosa
Ribeira Grande Classic Rally Regularidade
242 quilómetros, das 14 ás 24,30 horas, cinco longas regularidades, médias de estrada rapidas, gincana infernal, tarde a circular entre aldeias, noite nas montanhas com chuva e nevoeiro cerrado. Parecia um Dakar....
Pois foi este o teste porque passou o meu carrito, com 45 anos, misturado com irmãos mais novos de 25-30 anos...E sabem que mais??? Portou-se que nem um leão, e ganhou o 3º lugar!!!!!!!!
Mas eu vou contar algumas peripécias deste dia louco e de um carro que não foi comprado para ir ao café ou mostrar às pequenas...apesar de virar muitas cabeças!
Com uma simples adaptação de um pequeno terra trip de bicicleta e uma lâmpada led montados na pega do pendura, níveis verificados, um litro de água e uns biscoitos e aí vou eu todo lampeiro, para o parque fechado do rally, que escolhi para testar o "velhadas".
Levo comigo um antigo navegador de raids que convenci, a título excecional, a ir buscar o seu cronómetro há muito arrumado.
Chegados ao parque, tudo olha para nós...chegou a velharia!!!!!!! Aquilo era só bombas...parecia que íamos para uma pista ou para uma rampa. O RS 2000 à minha frente tinha quatro farolões gigantes na grelha, usavam auriculares e conduziam de luvas....um espanto. Senti-me deslocado.
Bem, lá arrancámos e passámos a tarde a percorrer aldeias e estradas da zona baixa da ilha, num ritmo muito vivo e agradável, com o meu navegador a revelar-se um especialista.
Cantava muito bem as notas e as médias, o que me descansava imenso.
Para finaliz a tarde, entramos para um parque industrial, onde estava a gincana. Mas que gincana!!! Seis pinos a fazer em todos 360 graus e o último 720 primeira passagem com média de 30 a segunda a 40 Km/h. Bem!!!!!!!! Sensacional para o condutor, por fazer uma série de peões, mas terrível para o pendura, pois foi todo abanado sempre de olhos em baixo a cantar tempos de passagem, para a média ser a certa...Muito engraçado e muito original.
Acabada a secção da tarde, lá fomos descansar uma horita para jantarmos. Surpresa!!!!!! Estamos em Terceiro!!!!!!
Cai a noite, arrancamos de novo, começa a chover! Lindo...e eu só com uma velocidade de limpa pára brisas!
O road book leva-nos para as pastagens em altitude, não se vê vivalma...os meus farolitos lá vão iluminando a custo os caminhos sem marcas brancas, através da chuva persistente. Não está fácil!!
Encontro dois concorrentes parados na berma. Abrando e verificando que o primeiro têm uma avaria eléctrica e o segundo já lhe está a dar apoio, sigo caminho mais animado, por depois de tantas horas o TR 4, não dar sinal de fadiga.
A noite vai adiantada, sempre a chover e vamos sempre para caminhos rurais cada vez mais altos.Raios, aparece o nevoeiro!!!!!! Estamos no cume da ilha , estradas estreitíssimas, sem sinais nem rails...por três vezes ía saindo em frente!!!!!!!Não tenho iluminação para isto! Começo a transpirar e a dizer mal da organização...mas aquele terceiro lugar dá-me ânimo. Cerro os dentes e continuo...
O tempo vai passando e o meu pendura excepcional continua a cantar as notas sem vacilar..dá-me ânimo...estou a ficar fatigado...o carro não é muito confortável para ser conduzido durante 3 horas sem parar para esticar as pernas e a coluna.
Passa a meia noite, e começamos a ver as luzes da cidade ao longe. Respiramos fundo e vamos a isto.
Aproximamo-nos da meta, mais um carro parado na beira da estrada, Paramos...(Sempre o fiz em provas que entrei.Porque sei o que é a frustação de uma avaria ou abandono.) Ficaram sem gasolina! Não posso ajudar e também eu estou nas lonas. Começo a poupar e deslizar nas descidas e a usar o over-drive para baixar rotações.
E finalmente entro na cidade, vejo a meta, páro o carro.Uns segundos de silêncio, para agradecer o tão bem que esta pequena máquina se portou, um aperto de mão ao meu maravilhoso pendura, e com dores nas costas saio para fora do carro.
Recebo as felicitações do Director da prova e fico a saber que mantive o terceiro lugar. Fantástico...este carro é de uma robustez extraordinária. Valeu todo o dinheiro que gastei nele.
Levei-o para casa, e cansado, ainda o fui lavar todo, para também ele, dormir descansado na sua garagem.
Obrigado meu pequeno/ grande Triumph TR 4 de 1964.
 
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