Caros confrades.
Quando levantei a questão do meu "Perfeitinho" ser o mais antigo, fi-lo propositadamente correndo o risco de levantar alguma polémica sobre o valor que damos às nossas relíquias.
Nós, ao restaurar, preservar, ou simplesmente guardar uma relíquia por restaurar num canto de um barracão que temos vago, já estamos a transmitir a gerações futuras, exemplos vivos da história do automóvel. É um papel que ninguém valoriza nesta sociedade materialista e com deficit cultural
Mal daquele que pensar que por ter um automóvel mais antigo, terá mais valor que um de época mais recente. O valor de cada viatura de coleção é muito relativo e quando misturado ao valor sentimental, então mais baralhados ficamos.
Vou contar-vos a exemplo do que falo num episódio que se passou comigo.
Há uns bons anos atrás, no inicio da década de 90, na oficina do mecânico que usava fazer a manutenção ao meu carro, encontrava-se um dos desportivos mais lindos da Fiat. De cor vermelho "Ferrari" em muito bom estado de conservação era uma relíquia que não deixava ninguém indiferente. Perguntei ao mecânico de quem era e ele, depois de me informar, disse-me que o proprietário até nem se importaria em vendê-lo.
Não liguei muito ao assunto, pois já tinha dois encostados à espera de restauro, e o dinheiro não era assim tanto que me desse ao luxo de ter mais um clássico na garagem.
Mais tarde em conversa de novo com o mecânico, fui informado que o homem pedia, no tempo do escudo 1.000 contos. Achei que o preço nem era exagerado para a condição do automóvel, sabendo através do mecânico que o proprietário era todos picuinhas na manutenção das várias viaturas que possuía.
Passado três dias o Fiat 124 Sport Spider morava na minha garagem.
Conclusão: A Maria ia-me matando. (Puxa…. quando eles embirram…)
Mas tu és maluco? Com tantas despesas que temos e com os filhos a exigir mais assistência na educação, tu vais derreter dinheiro em mais lixo? Não tens já sucata que chegue?
Nem com a desculpa de o ter comprado para o filho ela se acalmou. Mas o mais grave da situação é que a pequena industria que tinha entrou em dificuldades e a situação começou a agravar-se nos anos subsequentes.
O desgraçado do Fiat vinha sempre à baila quando discutíamos sobre como sair da crise em que estávamos a mergulhar. Porra… quando se parte um degrau da escada, os outros levam todos na mesma volta.
Passados dois anos de orgulhosamente tentar manter aquela relíquia italiana, e num daqueles dias em que já nada se espera de bom, a Maria diz-me ao almoço que um senhor telefonou a perguntar por mim e se tínhamos um Fiat descapotável de 1972.
Querem ver que agora também vou ter problemas com o Fiat? Resmunguei eu.
Após ter recebido um novo telefonema, era alguém que sabia do automóvel, (não gosto de chamar “carro” a estas relíquias) e perguntava se estava interessado em vendê-lo.
Respondi-lhe que tudo dependia do preço. Mal sabia ele que eu até nem me importava de vendê-lo para superar as dificuldades que estava a atravessar. Também não ia vendê-lo por qualquer preço.
Mas porque raio é que o homem queria o meu Fiat? Havia tantos á venda do mesmo modelo.
O comprador insistia em saber por quanto é que eu o poderia vender.
Ah e tal, (aquelas tretas de vendedor) o Fiat foi comprado com intenção de o dar ao meu filho quando tirasse a carta. Era chato fazer uma desfeita dessas ao rapaz, Blá Blá blá.
É claro que já tinha dois Ford de 1949 com intenção de ser um para cada. Tenho um casal.
Mas o homem tanto insistia que lhe disse:
Por menos de 2200 contos não o vendo.
Isso é muito caro, você sabe que o preço deles anda na ordem dos 1800, 1900 contos Blá Blá Blá… Nem eu sabia que eles andavam tão valorizados na época.
Pois, mas eu não vendo por menos.
Mas porque raio é que o homem queria o meu Fiat? E como soube ele que eu tinha um Fiat Spider?
Achei toda a história muito estranha.
O que é facto é que o senhor queria mesmo ver a viatura.
Marcamos encontro e lá surge o homem num Mercedes SLK do último modelo da época, mais a esposa para analisarem o meu bólide italiano.
Tem de fazer um desconto e porque torna e porque deixa, mas eu ia mantendo sempre a minha proposta.
Ás tantas o senhor puxa de umas fotos onde testemunhava ser o primeiro proprietário da viatura, ainda no tempo em que namorava a esposa. Que engraçado. Ia lá imaginar uma história de amor tão linda.
Era um industrial do norte que pretendia adquirir novamente o seu primeiro automóvel.
Procurou no registo automóvel se a viatura existia e pelos dados, conseguiu obter o meu contacto.
Ah… o Fiat já não está de origem porque tem muitas peças e acessórios Abarth, o motor não é o de origem…, a capota não é de origem… as jantes são Abarth… queixava-se o homem.
E eu a pensar que tudo aquilo valorizava o clássico…
O negócio foi fechado pela minha proposta, mas com o castigo de ter de contar maços de notas de 1000 escudos. Queria lá saber… mas foi uma seca contar aquelas notas todas.
Este é um bom exemplo sobre o valor das viaturas de coleção.
Nenhum dos meus Ford de 1949 vale isso presentemente, e já passaram 16 ou 17 anos.
Outro fator a ter em conta é o estado da viatura. Se está completo. Se as peças são fáceis de encontrar no modelo em questão. Se os restauros foram bem feitos ou aldrabados.
Quando se faz um restauro deve-se ir ao pormenor, ou então, se não temos possibilidades financeiras para o fazer, mais vale mantê-lo o mais original possível, para que não perca o valor histórico e patrimonial na sua originalidade.
Depois há outra condição que também influência o valor da viatura. A história do ou dos proprietários. Automóveis que participaram em eventos, que pertenceram a gente que se destacou na sociedade, etc.
Ás vezes perguntam-me quanto vale este ou aquele modelo. É sempre difícil fazer uma avaliação sem saber como ele se encontra. Há situações em que uma viatura doada não tem qualquer valor devido ao seu avançado estado de ferrugem e ausência de peças originais. Depois há a questão dos importados. Viaturas com volantes à direita etc etc.
Não deixam de ter valor, mas há sempre alguma diferença.
Bem mas enquanto escrevia este meu epílogo, acabei de receber pelo correio o kit do carburador que andava perdido. É que faz os carteiros não terem atenção ao que fazem. Entregaram à pessoa errada na morada errada. Enfim…
Abraços.