Re: Madeira Classic Rally - FIVA World Rally 2008 - 25-28 Junho
História sobre rodas
Em 1988, o CACM e o DIÁRIO levaram para a estrada o I Raid Diário de Notícias. Duas décadas depois, a prova cresceu de forma impressionante e merece a designação de Rally Mundial FIVA 2008
Passadas mais de duas décadas sobre a realização do I Raid Diário de Notícias, a agora denominada Volta à Madeira - Classic Rally está no topo do mundo dos automóveis clássicos. Integra o Calendário de Regularidade Histórica da Federação Internacional do Automóvel (FIA) e o Calendário Internacional da Federação Internacional de Veículos Antigos (FIVA) - categoria A, para além de ter sido designado, este ano, com a honrosa distinção de Rally Mundial FIVA 2008. Um reconhecimento lógico, fundamentado no crescimento que a prova foi tendo ao longo de 21 anos e nos elevados padrões de qualidade que a organização foi, gradualmente, atingindo.
Mas a génese de tudo isto remonta a 1988. Foi quando o Clube de Automóveis Clássicos da Madeira (CACM), uma colectividade fundada no ano anterior e que tinha como presidente João Mendes de Almeida, se associou ao DIÁRIO para levar para a estrada a primeira edição do 'Raid'. A paixão pelos automóveis clássicos estava, então, a dar os primeiros passos na Madeira, resumindo-se a um grupo restrito de entusiastas e coleccionadores. Ainda assim, essa edição inaugural da prova já registou uma lista de inscritos apreciável (41, embora só 36 tivessem alinhado à partida). Para além de muito público na estrada, sinónimo de que essa paixão, afinal, era comum a muita mais gente. E desencadeando um efeito catalisador, que levou à recuperação de muitas preciosidades que se encontravam 'esquecidas' nos fundos das garagens.
Ainda sem o nível competitivo, as evoluções e as exigências actuais, esse primeiro 'Raid' destacou-se, sobretudo, pela confraternização que proporcionou aos participantes. De resto, um espírito - muito característico deste tipo de competições automobilísticas - que os dirigentes do CACM fizeram questão de cultivar até aos nossos dias e que, de resto, tem sido fundamental para a sedução de inúmeros participantes forasteiros que, ano após ano, fazem questão de marcar presença na competição. O I Raid Diário de Notícias dividiu-se por dois dias. No primeiro, os participantes tiveram de cumprir um passeio de regularidade até à Ribeira Brava, ao longo dos 30 quilómetros da estrada regional (por essa altura, a via rápida era miragem). Rezam as crónicas da época, com algumas dificuldades para os concorrentes, em especial para os co-pilotos, o que se percebe atendendo à inexperiência da maioria. Foi, por isso, natural que vários concorrentes tenham averbado penalizações. A prova terminou no dia seguinte, na Avenida do Mar, com a realização de um 'slalom', novamente perante um elevado número de espectadores. Para a história fica o registo dos primeiros vencedores: Luís Camacho/José Manuel Ramos, tripulando um Austin Healey de 1954.
Despertar de consciências A actividade desenvolvida nesses primeiros anos pelo CACM - sempre com o Raid Diário de Notícias como grande referência de um calendário regional que foi juntando outras provas - ajudou a despertar consciências para a importância da recuperação de um valioso património automobilístico. Que até aí, salvo honrosas excepções, não era alvo de grandes atenções dos proprietários - nalguns casos, até, de forma irremediável.
O reflexo desse interesse crescente viu-se nas edições seguintes. Em 1989, com o número de inscritos a crescer até à meia centena, registou-se já a participação de três concorrentes continentais. Mas foi a equipa madeirense Luís Noronha/João Lopes (Mercedes-Benz 190 SL de1958) que inscreveu o seu nome na lista de ganhadores.
Fruto da experiência acumulada, o Raid Diário de Notícias ganhava maior dimensão e já se pensava na internacionalização. O gradual aumento do número de inscritos e dos concorrentes forasteiros, a juntar à cada vez maior adesão dos madeirenses possuidores de carros antigos, eram indicadores importantes que a organização foi retendo e que legitimaram, posteriormente, a opção por mudanças estruturais na prova, que viriam a revelar-se importantes na sua afirmação.
Pondo de parte o recurso a equipamento 'primitivo' - nos primeiros anos chegaram a ser utilizadas garrafas de água para substituir os 'pinos' nas provas de perícia -, a edição de 1991, que teve como vencedores Emanuel Alegria/Eduardo Figueiroa (Austin A-40 Fraina de 1958), marca uma viragem histórica no 'Raid'. Já com uma estrutura de prova alargada a três dias, a competição volta a registar um novo recorde de inscritos (74 contra os 60 da edição do ano anterior, ganha por Juscelino Velosa/Sérgio Abreu, num Renault 4 CV de 1960).
Primeira vitória forasteira Depois de um primeiro triunfo de Rui Martins, tripulando um FIAT 1100 TV de 1955 (o madeirense 'bisaria' em 2003 com um Borgward Isabella Hansa de 1957), é ainda com a designação de Raid Diário de Notícias que, em 1993, a prova consegue a sua afirmação a nível internacional. E é, também, nesse ano que fica registado o primeiro triunfo de um concorrente forasteiro, a dupla Eric van Esser/Francesca Baggio, num Bugatti 43 de 1927. De resto, seria preciso esperar até ao ano passado para que uma outra equipa estrangeira quebrasse a hegemonia dos madeirenses e voltasse a inscrever o seu nome na galeria de vencedores. O feito coube aos gregos Jason Fotopoulos/Georgiou Aristotelis, num Alfa Romeo GT Veloce de 1972.
No ano seguinte, a prova muda de designação, passando a chamar-se Volta à Ilha da Madeira em Automóveis Clássicos e Antigos. E é também aí que se inicia o 'reinado' de José Mimoso, vencedor de seis edições consecutivas com o seu Ford Cortina GT de 1966. Que, de resto, viria a ter dois outros 'herdeiros' madeirenses nos anos seguintes: Martim Macedo, que levou o seu MG B de 1963 ao lugar mais alto do pódio nas duas primeiras edições do século XXI, e José Camacho, vencedor de quatro 'voltas' com o seu Sovan Coupé de 1967, três delas consecutivas, entre 2004 e 2006. O outro triunfo acontecera em 2002.
Plena afirmação internacional Em contínua afirmação, a prova regista no ano de 95 do século passado um número recorde de inscritos - uma centena. É o sinal que faltava para que os dirigentes do CACM avançassem decididos, no ano seguinte, para a pré-inscrição no Calendário Internacional da FIA.
O reconhecimento por parte dos observadores da FIA não tarda a surgir, como corolário lógico de uma qualidade organizativa que se foi consolidando com o tempo. A prova madeirense entra no 'FIA Historic Regularity Runs' e, posteriormente, em 2005, passa a integrar o Calendário Internacional da FIVA, com a categoria A.
A atribuição, este ano, do estatuto de Rally Mundial FIVA 2008 é a prova indesmentível do nível que a prova atingiu no âmbito internacional, com reflexos ao nível da promoção da própria Madeira, atendendo à vasta cobertura que tem merecido por parte dos mais variados órgãos de comunicação social estrangeiros. Mas é, também, o reconhecimento de um valoroso trabalho levado a cabo pela equipa dirigida por Rui Reis, o actual presidente do CACM, e por todos quantos emprestaram o seu contributo ao longo destes 21 anos de 'aventura'. Que, nunca é de mais relembrar, começou em 1988 com um passeio de regularidade promovido por um pequeno grupo de entusiastas de carros antigos.
Nélio Gomes
In Diário de Notícias - Madeira
Suplemento Especial XXI Madeira Classic rally - 2008