Intervenção mecânica

Como leigo absoluto na matéria, com um longo historial de tentativas falhadas e danos desnecessários infligidos a diversos veículos, nos quais constam proeminentemente diversas tentativas de afinar os travões da bicicleta, faço questão de relatar aqui uma reparação estrondosamente bem sucedida executada por mim, ABSOLUTAMENTE SOZINHO, num dos meus meios de locomoção constantemente necessitados de intervenção.
O veículo em questão: 2013-06-16 - 11.25.38.jpg

Trata-se de um formidável veículo de 4 (quatro!) rodas motrizes, vulgo TT (para os menos entendidos nestas matérias) o qual ostenta como data da 1ª matrícula o distante ano de 1995, o que pressupõe que tenha sido fabricado antes disso, o que, por sua vez, o coloca na distinta categoria de "quase pré-clássico" (vulgo "chasso").
Sucede que apesar da sua construção robusta e cuidados meticulosos a que é sujeito (chegou a ser lavado, uma vez) aconteceu uma avaria que muito me constrangeu e preocupou. É deste episódio, e do modo como o resolvi COMPLETAMETE SOZINHO (não é demais frisar) que pretendo dar conta, esperando com este relato encorajar outros utilizadores com aptidões mecânicas semelhantes às minhas a tomar nas suas próprias mãos o destino dos seus automóveis, motocicletas ou veículos hipomóveis, consoante seja o caso.
O processo passo a passo:

1 - Diagnóstico:
No decurso de um passeio aventuroso fora de caminhos pavimentados, embora não tão aventuroso como circular em algumas estradas pavimentadas aqui da região, abri a porta para sair do carro e tropecei num fio que vinha de rojo e saía de dentro do habitáculo. Um escrutínio rigoroso à parte inferior do aparelho revelou tratar-se de uma bicha de conta quilómetros partida. Um condutor menos atento à condução teria reparado há muito tempo que o velocímetro não mexia, mas eu sou consciencioso, não tiro os olhos da estrada (ou caminho) e não tenho tempo para me preocupar com pormenores que não afectem a segurança. Acresce que a velocidade máxima do bólide mal chega para fazer abanar o ponteiro, mesmo que trabalhe, pelo que a diferença entre funcional e quebrado é imperceptível.

2 - Reparação temporária:
Na impossibilidade de resolver definitivamente o problema no local, face à indisponibilidade de meios e tecnologia, enrolei cuidadosamente o cabo solto num dos muitos ferros que abundam na parte inferior do futuro pré-clássico e segui caminho, sem que se notasse diferença alguma entre o avariado e o funcional. Contudo, eu sou um perfeccionista, e exijo que os meus carros funcionem na perfeição (passe o pleonasmo), pelo que passei ao passo seguinte.

3 - Confirmação do diagnóstico

Fui ao mecânico (sim, o mesmo que tem lá o outro carro para arranjar desde Janeiro) o qual confirmou que era indubitavelmente uma caso de bicha partida. Apesar de não ser apreciador da companhia de bichas, sejam elas solitárias, à procura de companhia ou outras, tomei nas minhas mãos a responsabilidade de encontrar a peça necessária para substituir a danificada.

4 - À procura de bicha

Concedo que este título não soa particularmente feliz, mas a necessidade aguça o engenho, pelo que procurei afincadamente na internet (apesar do que me foi sugerido mantive-me afastado das páginas de classificados do Correio da Manhã, não fosse o diabo tecê-las) e acabei por encontrar a bicha adequada para mim (isto também não me soa bem, tenho que rever este texto) num local insuspeito: a Índia. Pelo preço módico de aproximadamente 14€ mandei vir uma. Francamente, estou completamente por fora do preço das bichas, embora tenha ouvido dizer que às vezes não saem baratas, e até hoje não faço ideia se fui enganado ou não, mas se uma bicha indiana não tiver a escola toda e não for completamente compatível, então não sei quem será.

5 - Montar a bicha

Outro título infeliz. Não sei se este forum é censurado, mas se o for acho que é com toda a razão.
Assim que a fui buscar ao correio botei-me ao trabalho e cheio de gana decidi-me a fazer o que qualquer mecânico do séc XXI faz: fui ao youtube ver um vídeo explicativo. O único que encontrei era de uma americano encasacado que explicava cuidadosamente o que tinha que ser feito, depois desligava a câmera enquanto o ia fazer e voltava a dizer que tinha sido fácil. Não muito informativo, mas encorajador. Se quiserem ver, está aqui, mas não aconselho. É chato.



Devia ter desconfiado, ao ver o ortografia do título... Felizmente havia outras páginas a explicar como se fazia (sem desenhos) e essas eram igualmente encorajadoras, pelo que sem mais delongas me deitei ao trabalho. De acordo com todas as informações recolhidas, bastava remover o quadrante tirar a ponta da bicha do buraco (é impressão minha ou isto vai de mal a pior?) e depois esgueirar-me para debaixo do jipe e tirar a outra ponta (estas bichas têm duas pontas), para depois substituir a peça inteira. Fácil. Vamos a isto.
Comecei pela parte de baixo onde estava partida. Localizei a caixa de transferência onde estava encaixada (caixa de transferência soa muito melhor, tem um ar viril) e tratei de puxar a ponta que lá tinha ficado presa com um alicate de pontas. Não saiu. Puxei com mais força. Também não saiu. Tornei a puxar e fiquei com uns pedaços de bicha na mão. Disse um palavrão e puxei do outro lado. Mais pedaços de bicha. Troquei de alicate, apertei bem com as duas mãos e puxei até dar um safanão e bater com as mãos no tubo de escape. Mas o terminal continuou lá. Levantei-me pacientemente, sem dizer mais palavrões nem dar um pontapé no carro e fui ver o vídeo do sr outra vez, para ter a certeza que não me tinha escapado nada. Nada me escapara: a parte em que ele tinha desligado a bicha de debaixo do carro não aparecia no vídeo. Contudo uma das outra páginas de auto ajuda mencionava um parafuso que era preciso desapertar. Se calhar devia ter lido as instruções com mais atenção. Localizei o parafuso e desapertei-o cuidadosamente, á espera de ver jorrar óleo de uma peça qualquer fundamental, mas nada disso aconteceu. O parafuso saiu docilmente, e com o próximo puxão o terminal deslizou para fora do encaixe, providenciando a primeira boa notícia: o encaixe era igual aquele que eu tinha comprado.
Assim motivado atirei-me à outra ponta da bicha. Do cabo. À outra ponta do cabo. Na verdade foi o cabo dos trabalhos. Quatro míseros parafusinhos seguram o quadrante. Saíram à primeira e logo os mostradores abanaram todos de contentamento, mas tirar peça inteira é que não podia ser: batia no interruptor dos 4 piscas, em cima da coluna da direcção, e dali não saía sem que corresse o sério risco de o partir, o que aliás já diversas pessoas tinham feito, a julgar por aquilo que tinha lido. Voltei ao filme. Afinal parece que era preciso tirar o volante. Outra aventura. Arranquei a tampa da buzina, e debaixo dela estava uma porca que me olhava com ar agressivo, como que a desafiar-me que a tirasse dali. Depois da minha experiência com bichas, não era uma porca que me iria desanimar, e num instante a tirei a ela e ao volante, o qual pousei triunfantemente em cima do assento. Perante tamanha vitória, soltei o grito do Ipiranga e tirei uma fotografia: IMG_20160927_185055.jpg

Aqui é claramente visível que não me serviu de absolutamente nada tirar o volante, porque o maldito interruptor dos piscas continua obstinadamente em cima da coluna, impedindo o quadrante de sair. Só havia uma coisa a fazer: fui beber uma cerveja.
Quando voltei o volante continuava em cima do assento, apesar da minha secreta esperança que tivesse voltado ao seu lugar de sua livre vontade, portanto não tive outro remédio se não tornar a pô-lo no seu lugar sem lhe chamar nome nenhum, nem ao sr que tinha feito o raio do vídeo, o que fiz tendo o cuidado de endireitar cuidadosamente as rodas e alinhar o volante de forma a que ficasse direito. O tipo de coisa que nunca me lembro de fazer, mas por esta altura já era um mecânico experimentado.
Voltei ao computador e encontrei um comentário em que sugeriam que era fácil desapertar dois parafusos debaixo do volante e deixar descair toda a coluna para cima do assento, o que permitiria tirar o malfadado quadrante sem partir o miserável interruptor vermelho. Por esta altura já era de noite, mas lá encontrei os parafusos, que me apressei a desapertar, perdendo uma anilha no processo, como é hábito (um dia hei de a encontrar, algures dentro do carro), e quando segurei o volante para o deixar descair cuidadosamente, nada aconteceu. Obviamente, tinha desaparafusado os parafusos errados. Porreiro, pá. Se não é carne, é peixe, portanto atirei-me aos dois parafusos seguintes, e mal tirei o primeiro, logo a coluna começou a dar de si, o que me encorajou. Encorajamento de pouca dura, porque o segundo parafuso não fui capaz de o tirar. O melhor que consegui foi afrouxá-lo o suficiente para conseguir finalmente tirar o quadrante sem partir o interruptor.
IMG_20160927_192025.jpg

E pronto, daqui para frente foi canja. Foi só tirar a outra ponta da bicha, ligar a bicha nova depois de a fazer correr ao longo do habitáculo e executar os passos inversos de forma a pôr tudo no sítio. Tudo muito fácil, excepto o tal parafuso que não consegui tirar. É que depois também não consegui apertá-lo. Mas talvez não faça falta. Afinal para que precisará a coluna de direcção de dois parafusos? Um deverá chegar.

6 - Conclusão

E pronto, aqui está a minha experiência, partilhada com todos vós, para ajudar a desmistificar o trabalho mecânico. Agora, quem quiser deitar as mãos à bicha e trocá-la, já sabe como fazer. Funciona e tudo. O ponteiro já mexe quando o carro anda. Se algum dia quiser vendê-lo já pode ir com mais alguns quilómetros.
Quase nem vale a pena mencionar o facto de o cabo ter cerca de meio metro a mais que o anterior e agora andar ali enrodilhado debaixo dos meus pés.
 

Anexos

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Rafael S Marques

Pre-War
Membro do staff
Premium
Delegado Regional
Portalista
Excelente, agora um conselho dum mecânico, não deixes a "bicha" enrodilhada pois vai começar a prender e partir, estica-a para debaixo do carro e prende-a de qualquer forma de modo a que não fique muito dobrada.
Abraço.
 
OP
OP
Santos António

Santos António

Veterano
Excelente, agora um conselho dum mecânico, não deixes a "bicha" enrodilhada pois vai começar a prender e partir, estica-a para debaixo do carro e prende-a de qualquer forma de modo a que não fique muito dobrada.
Abraço.
Não não. Isso eu vou conseguir fazer, assim que tiver tempo. Será no mesmo dia em que apertarem o parafuso que falta. A obra não está terminada
 

Rafael Isento

Portalista
Membro do staff
Portalista
Por vezes questiono-me se esta viatura não teve mais nenhuma intervenção digna de registo :D
Estava à procura no meu PC dum documento e dei com um PDF deste tópico. Estava tão genial que decidi guardá-lo para o ler de vez em quando.
Agora fazem falta mais capítulos!
 
OP
OP
Santos António

Santos António

Veterano
Por vezes questiono-me se esta viatura não teve mais nenhuma intervenção digna de registo :D
Estava à procura no meu PC dum documento e dei com um PDF deste tópico. Estava tão genial que decidi guardá-lo para o ler de vez em quando.
Agora fazem falta mais capítulos!
Infelizmente esta viatura tem tido outras intervenções dignas de registo. De tal forma que hoje mesmo terei que passar no mecânico para saldar umas contas. Contudo, nenhuma intervenção que eu próprio me atreva a executar, apesar do sucesso retumbante da troca da bicha, a qual, por sinal, continua a ter uma performance exemplar. Como actualização, esqueci-me de mencionar que já espalhei e prendi a dita ao longo do carro, pois era maior que a original. Poderei até dizer que foi um upgrade de bicha para bichona ...
 
OP
OP
Santos António

Santos António

Veterano
Agora fazem falta mais capítulos!
Pensando nisso, capítulos não faltariam, tenho tido muitas e boas aventuras nesta carripana. O melhor brinquedo que arranjei em muitos anos. É até bastante mais divertido do que o Elefante Branco, embora sejam estilos diferentes. Contudo, nenhum desses episódios é clássico, dificilmente cabem neste fórum
 
OP
OP
Santos António

Santos António

Veterano
Maravilhoso esse texto e esse acontecimento.
Venham mais avarias.
Ab
Mas agora é moda rogarem-me pragas? Deixem lá estar as avarias em paz, já tenho chatices que cheguem com as do costume. Se fizesse um relato de tudo quanto me corre mal o portal iria precisar de um servidor maior. Prometo que no dia em que algo correr bem farei um relato pormenorizado.
 
Mas agora é moda rogarem-me pragas? Deixem lá estar as avarias em paz, já tenho chatices que cheguem com as do costume. Se fizesse um relato de tudo quanto me corre mal o portal iria precisar de um servidor maior. Prometo que no dia em que algo correr bem farei um relato pormenorizado.
Excelente relatório. nunca tinha apreciado um relato de execução tão detalhado e elucidativo.
 
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